Maconha: PV fecha questão pela descriminalização

O Partido Verde (PV) emitiu hoje uma nota anunciando que voltará a defender uma de suas mais antigas (e menos desfraldadas) bandeiras: a descriminalização da maconha. O partido apresentou, por meio do deputado Eurico Jr. (RJ) um projeto de lei que “estabelece medidas para o controle, a plantação, o cultivo, a colheita, a produção, a aquisição, o armazenamento, a comercialização e a distribuição de maconha (cannabis sativa) e seus derivados”.

folhasdemaconha

Entre outras coisas, a proposta permite o cultivo de até seis plantas em hortas domésticas. A produção anual será limitada em 480 gramas, o que corresponde a um consumo médio mensal de 40 gramas. 

No ano passado, a Câmara dos Deputados aprovou, em primeira votação, um anteprojeto de autoria do deputado Osmar Terra que vai no sentido oposto: recrudesce e alonga as penas de reclusão para traficantes de qualquer porte, prevê a internação involuntária de usuários por determinação de agentes de segurança e não fixa limites objetivos de quantidades de drogas que distinguiriam usuários de fornecedores.

A nota do PV é reproduzida na íntegra no final deste post

A TV entra no debate

Depois de décadas banida do noticiário, a discussão sobre a descriminalização — inclusive para fins recreativos — ocupa agora praticamente todos os telejornais e programas de entrevista. Hoje mesmo a TV Cultura levou ao ar um debate entre os médicos Dartiú Xavier, psiquiatra da UNIFESP,  e seu colega Renato Filev, neurobiólogo do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas da mesma universidade.Ambos são pesquisadores de longa data do assunto e defendem o uso medicinal 

O video com a reprodução do programa pode ser visto aqui embaixo. Vale a pena conhecer os argumentos dos dois especialistas.

Nota do Partido Verde

Depois de décadas de pesquisas, estudos e debates sobre o uso e a legalização da maconha, o Partido Verde apresentou, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 7187 de 2014, protocolado por Eurico Júnior (PV-RJ), que estabelece medidas para o controle, a plantação, o cultivo, a colheita, a produção, a aquisição, o armazenamento, a comercialização e a distribuição de maconha (cannabis sativa) e seus derivados.

Único partido a apresentar propostas, de forma favorável e clara, em seu programa partidário, para a legalização do consumo da maconha no Brasil, o Partido Verde defende a legalização como uma forma de proteger os habitantes do país contra os riscos decorrentes do vínculo com o comércio ilegal da maconha e com o narcotráfico, buscando, mediante a intervenção do Poder Público, enfrentar as consequências sanitárias, sociais e econômicas do uso de substâncias psicoativas, bem como reduzir a incidência do narcotráfico e do crime organizado. Além disso, o PV entende que o uso da maconha está ligada à liberdade individual.

O Projeto de Lei, protocolado em Brasília, prevê que o Poder Público também deverá ser responsável pela implantação da política de uso da maconha, dando prioridade às medidas voltadas ao controle e à regulação das substâncias psicoativas e de seus derivados, bem como às normas que têm por objetivo educar, conscientizar e proteger a sociedade contra os riscos do uso da maconha para a saúde, particularmente no que tange ao desenvolvimento da dependência, levando-se em conta os padrões da Organização Mundial da Saúde (OMS) concernentes ao consumo dos diferentes tipos de substâncias psicoativas.

A respeito da produção, cultivo e colheita, o PL 7187 deixa claro que a permissão para plantação, cultivo e colheita, em âmbito doméstico, de plantas cannabis de efeito psicoativo, para consumo individual ou compartilhado no recinto do lar, é de até seis plantas. Já o produto da colheita da plantação é fixado em até no máximo de 480 gramas anuais. Os menores de 18 anos de idade e os incapazes não poderão ter acesso à planta para uso recreativo. A violação acarretará responsabilidades penais.

O PL também enfatiza a necessidade de parceria entre o Ministério da Saúde e a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas para promover políticas e mecanismos adequados para a promoção da saúde, a prevenção do uso de cannabis, bem como dispor dos meios de atenção apropriados para o assessoramento, orientação e tratamento dos usuários problemáticos de cannabis que o requeiram. Além disso, o Projeto de Lei sugere que o Ministério da Educação também seja envolvido por meio de políticas educacionais de prevenção do uso, a partir da perspectiva do desenvolvimento de habilidades para a vida.

História da maconha – Originária da África, a planta foi considerada um medicamento valioso no século XIX e nos primeiros 40 anos do século XX. Em livros de medicina brasileiros, ingleses e americanos dessa época, é possível encontrar receitas da planta para uma série de distúrbios. No Brasil, a planta chegou cedo, talvez ainda no século XVI, trazida pelos escravos – o nome “maconha” vem do idioma quimbundo, de Angola. Mas, até o século XIX, era mais usual chamar a erva de fumo-de-angola ou de diamba, nome também quimbundo. 

Antiga, ela está em toda parte. Mas, de longe sem unanimidade. Não há acordo. Uns querem destruir, outros cultivar. Tentam extinguir uma planta e sua cultura. Por séculos, a droga foi tolerada no país. Somente em 1830 o Brasil fez sua primeira lei restringindo a planta. A Câmara Municipal do Rio de Janeiro tornou ilegal a venda e o uso da droga na cidade e determinou que “os contraventores serão multados, a saber: o vendedor em 20 000 réis, e os escravos e demais pessoas, que dele usarem, em três dias de cadeia.” Note que, nessa primeira lei proibicionista, a pena para o uso era mais rigorosa que a do traficante. Há uma razão para isso. Ao contrário do que acontece hoje, o vendedor vinha da classe média branca e o usuário era quase sempre negro e escravo.

Proibição – No início do século XX, a maconha era liberada no Brasil. Fumada nos terreiros de candomblé e nos confins do país por agricultores depois do trabalho. Na Europa, ela era associada aos imigrantes árabes e indianos e aos incômodos intelectuais boêmios. Nos Estados Unidos, quem fumava eram os mexicanos que imigraram a procura de trabalho. Ou seja, no Ocidente, fumar maconha era relegado a classes marginalizadas e visto com antipatia pela classe média branca. Por outro lado, tinha grande importância econômica: remédios, papel, tecidos, cordas, velas de barco, redes de pesca, entre outras funções. As plantações de cânhamo tomavam áreas imensas na Europa e nos Estados Unidos. Com a Lei Seca nos Estados Unidos, a maconha se tornava cada dia mais popular. Com o desenvolvimento de produtos a partir do petróleo: aditivos para combustíveis, plásticos, fibras sintéticas como o náilon e processos químicos para a fabricação de papel feito de madeira, iniciou-se a disputa direta de mercado com o cânhamo.

A proibição tornou-se uma forma de controle internacional por parte dos Estados Unidos, especialmente depois de 1961, quando uma convenção da ONU determinou que as drogas são ruins para a saúde e o bem-estar da humanidade e, portanto, eram necessárias ações coordenadas e universais para reprimir seu uso. Abriu-se então a brecha que os EUA precisavam para intervenções militares e pretexto para entrar em outros países e exercer os seus interesses políticos e econômicos.

Fernando Rodrigues: 57% dos brasileiros apoiam maconha medicinal

A legalização da venda da maconha para fins medicinais, com a apresentação de uma receita médica, é defendida por 57% dos brasileiros, segundo levantamento da empresa Expertise.

Iniciativas mais radicais, como a legalização para uso recreativo, adotada pelo Uruguai, não têm apoio dos brasileiros. Segundo a pesquisa, apenas 19% dos entrevistados são favoráveis à liberação total da erva.

An Initiative To Legalize Marijuana In California To Appear On Nov. Ballot

A maconha deve continuar totalmente proibida para 37% dos entrevistados e 6% não têm opinião formada sobre o tema. Foram realizadas 1.259 entrevistas online nos dias 24 a 27.jan.2014 e a margem de erro é de 2,8 pontos percentuais. Os entrevistados são selecionados a partir de uma base de dados da empresa com informações sobre endereço, idade e sexo e convidados a responder o questionário por e-mail, em troca de prêmios.

O apoio à venda da Cannabis sativa apenas para fins medicinais está em sintonia com a experiência de 21 Estados norte-americanos que regulamentaram o comércio da substância nessas condições. Médicos afirmam que a erva pode aliviar sintomasde diversas doenças, como AIDS, câncer e esclerose múltipla.

O temor popular de que experimentar a maconha uma vez condena o usuário ao vício não se confirma, segundo a pesquisa. Entre os entrevistados, 26% disseram ter usado a erva pelo menos uma vez na vida, dos quais 83% não a fumam mais atualmente. Apenas 4% dos que já fumaram um baseado –ou 1% da população total– disseram fazer uso diário da droga.

Em 2013, a Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) divulgou um estudo com resultados distintos dos apresentados pela Expertise. Segundo essa pesquisa, feita presencialmente com 4.607 indivíduos, 7% dos brasileiros afirmaram já ter usado maconha. O estudo da Unifesp também aponta que 75% dos brasileiros eram contrários à legalização da maconha, mas o questionário não diferenciava o uso medicinal do recreativo.

Há 2 semanas, o Senado começou a discutir uma proposta que legaliza o consumo da maconha para todas as finalidades. A iniciativa partiu de um gestor da área da saúde, que publicou o texto no site do Senado e obteve apoio de 20 mil pessoas. O senador Cristovam Buarque (PDT-DF), relator da proposta, disse não ter “simpatia” nem “preconceito” a respeito da legalização, mas afirma que o Congresso não pode se negar a discutir o tema.

Percepções

Os brasileiros que já experimentaram a maconha são mais otimistas em relação aos seus efeitos sobre a saúde do que os que nunca fumaram. Há um fosso entre as percepções dos 2 grupos, segundo a pesquisa da Expertise.

A droga é “muito prejudicial, com total chance de vício” na opinião de 85% dos que nunca fumaram maconha. Entre os que já usaram a droga, essa taxa cai para 15%.

Entre os que nunca experimentaram a erva, 83% apoiam a sua criminalização total. No grupo dos que já fumaram um baseado, apenas 17% defendem que seu uso continue proibido.

Considerando os brasileiros que não usaram a erva, 40% a consideram menos prejudicial do que o álcool. Entre os que já a experimentaram, a taxa é de 60%.

Os resultados da pesquisa da Expertise não devem ser entendidos como uma guinada liberal do brasileiro em relação a todas as drogas. Segundo pesquisa Datafolha de 2013 sobre o perfil ideológico da população, 83% avaliam que o uso de drogas deve ser proibido, pois “prejudica toda a sociedade”.

O levantamento da Expertise, contudo, identifica uma maior abertura ao debate sobre a legalização da maconha para uso medicinal.

O blog do Fernando Rodrigues está no Twitter e no Facebook.

Preto, pobre e presidiário: o Joseph K. da pós-modernidade

Noite do último dia 10, bairro de engenho de Dentro, Zona Norte do Rio de Janeiro. Um homem de pele preta e cabelo black power,  vestido apenas com uma bermuda, se aproxima de um ponto de ônibus e ataca sorrateiramente  uma senhora indefesa, roubando-lhe a bolsa,  dez reais em dinheiro e um bilhete único.

viniiicus

Um investigador da Polícia Civil tenta ajudar a vítima, a copeira Dalva da Costa. Ambos saem pelas ruas das imediações à procura do assaltante. Não demora e um homem é identificado como autor do furto. Ninguém repara que ele veste calça e camisa preta, e não uma bermuda. Vem a polícia e o suspeito acaba preso.

Na delegacia, descobre-se que o suposto assaltante se chama Vinícius Romão de Souza, tem 27  anos. Ele diz que é psicólogo e afirma que trabalha em novelas da Rede Globo, mas ninguém lhe dá atenção. Nega com veemência que tenha cometido o crime, mas novamente ninguém lhe dá atenção.

A vítima titubeia: não tem mais certeza de que aquele é o homem que levou sua bolsa. No dia seguinte, pensa em voltar ao distrito policial para desfazer o equívoco. Mas, sem dinheiro para a condução, Dona Dalva decide aplacar sua culpa em casa mesmo. O episódio não chega a lhe provocar nenhum remorso.

Do nada, mensagens de apoio ao suposto ladrão começam a pipocar nas redes sociais. Trancafiado no presídio de São Gonçalo, o suspeito vê dez dias se passarem antes que o ‘mal entendido’ seja desfeito. Pobre do País em que um homem inocente demora dez dias para deixar o cárcere!

A prisão do ator global desvela uma vez mais a influência do vetor racial na consumação de prisões. O Brasil, como estão a demonstrar todas as estatísticas sobre a população carcerária, ainda é um País que põe na cadeia quase que exlusivamente pretos, pobres e putas. 

No Rio de Janeiro, onde os não-brancos representam 41,3% da população, 80,9% da população carcerária são negros ou pardos, segundo a última PNAD do IBGE. Ou seja: há duas vezes mais negros entre os presidiários do que na população em geral. A maior parte dos detentos foi apenada por traficar pequenas quantidades de drogas. Quase 70 %, ao entrarem no sistema prisional, não tinham condenação anterior, eram réus primários. E só 1,8% —  menos de dois em cada 100 — tinham relação com o crime organizado.

Só esses dados já seriam suficientes para demonstrar que a cor da pele funciona como um elemento indiciário para os que não são brancos nem têm olhos claros. Mas eles não bastam para dimensionar histórica e politicamente esse fenômeno de segregação. E, acredite, algumas das causas estão entranhadas no bojo da nossa legislação penal até os dias de hoje.

Tome-se como exemplo a Lei 11.343/2006, que estabelece a política nacional para as drogas. O Artigo 28, no capítulo que trata da penas para o crime de tráfico, prescreve o seguinte: 

Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

O que vêm a ser “circunstâncias sociais e pessoais” senão a descrição étnica e a situação econômica do suspeito de traficar drogas ?

“É o apartheid dentro da nossa legislação”, diz o senador Antônio Carlos Valladares, (PSB/SE). Ele é o relator do PLC 37/2013 na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Esse projeto, de autoria do deputado Osmar Terra,  já foi votado e aprovado pela Câmara antes de chegar às mãos do senador senador sergipano. Deve ser discutido pela CCJ ainda este semestre.

Como está, o projeto representa um recrudescimento da política repressiva para as drogas. A proposta caminha na direção oposta à das medidas liberalizantes que varrem o planeta. O novo relator critica:  “Precisamos banir essas duas palavras do texto porque elas servem como uma faca no pescoço de legiões de jovens negros e pobres”, diz Valladares.

Já não era sem tempo. Em relação ao comércio de drogas, o crime que mais leva gente para dentro do sistema penitenciário nos dias de hoje no Brasil, a discriminação racial está presente na legislação desde a Independência. A primeira lei coibindo o consumo e a venda de maconha data de 1830. É um decreto da Câmara de Veradores do Rio de Janeiro que emendou o código de posturas da cidade. A norma ficou conhecida como Lei do Pito de Pango e estabelecia o seguinte: 

“É proibida a venda e o uso do pito do pango, bem como a conservação dele em casas públicas. Os contraventores serão multados, a saber: o vendedor em 20$000, e os escravos e mais pessoas, que dele usarem, em três dias de cadeia.”

Ou seja: consumidores negros (escravos) pagam a contravenção com a liberdade; os comerciantes, brancos, recolhem uma multa de vinte mil réis, ridícula para os padrões da época.

Por isso tudo, o episódio envolvendo o ator Vinícius Romão de Souza é muito mais grave do que aparenta ser. Vítima de uma situação em que qualquer preto preso é melhor do que nenhum preso, ele foi vítima antes do racismo. E depois, de um equívoco que jamais teria acontecido se ele fosse loiro ou tivesse a pele clara.

Ainda assim, pode-se inferir que a gravidade poderia ter sido muito maior. Todos os dias, ‘suspeitos’ como Vinícius são detidos injustamente, apanham da polícia e, quando têm sorte,  são amarrados a postes ou levados para o calabouço. Lá, misturam-se com a multidão e purgam penas longuíssimas para quem não fez nada, ou fez muito pouco.

Quando dão azar, são executados na via pública por policiais que dizem ter ‘trocado tiros com o tráfico’ ou por milicianos mascarados que assomam na periferia das metrópoles. Isso poderia ter acontecido a Vinícius, assim como acontece a dezenas de jovens negros todos os dias no País. Felizmente não aconteceu.

O sofrimento moral do ator da Globo, no entanto, não pode ser desperdiçado apenas com uma comoção passageira e vazia. Passou da hora de revermos a legislação para amputar dela dispositivos discricionários que ainda estão em vigor. Há muito o que fazer também em relação ao comportamento do policial. A conduta na rua não deve lhe facultar o direito a uma certa subjetividade na escolha de quem será trata do como suspeito, quem não será molestado, a partir da cor da pele.

Ou o Brasil ataca o problema e trata de encará-lo com a devida seriedade, ou estaremos sempre sujeitos a um surto de indignação por ‘erros’ se repetem todo santo dia na rotina dos distritos policiais, onde desfilam Joseph K’s de pele preta cujo único crime foi o de terem chegado ao mundo como descendentes de escravos africanos.

O que este homem ainda faz fora da cadeia ?

A presença de Paulo Maluf nas dependências o Congresso, nas ruas deste País e em qualquer outro lugar que não seja a cela de uma penitenciária é um acinte. Procurado pela Interpol em todo o mundo (à exceção do Brasil), proibido de deixar  o País porque não pode ir a nenhum outro lugar do planeta livremente, Maluf, com sua imunidade carcerária, é a prova cabal de que sistema judicial brasileiro não se importa de se fazer inepto para com réus do calibre do ex-governador paulista.

malufao

Salvo por alguns constrangimentos pontuais no exterior, Maluf só provou o gostinho amargo da cadeia por 40 dias, em 2005, na companhia do filho Flávio. Embora parte do dinheiro que desviou já tenha sido até devolvida, o deputado por São Paulo tem razão quando brada “jamais fui condenado”. Como diria o comissário Rosalvo,  é aí que está o busilis.

Até o Deutsche Bank , que lhe serviu de lavanderia, já foi apenado com pagamento de uma multa milionária pelos serviços que lhe foram prestados. Mas Maluf segue incólume como um dos políticos mais ricos do Brasil, alternando a presença de seu nome em listas tão díspares quanto a Revista Forbes e o index Dispersão Vermelha da Interpol. Apesar disso, Maluf ainda é cultuado como um ícone por políticos como Lula, que foi ter com ele em sua casa antes de fechar a chapa que serviu de apoio ao atual prefeito de São Paulo Fernando Haddad.

A situação de Maluf é tão esdrúxula que ele não se importa mais de fazer troça de si mesmo. Sorridente (deve ter bons motivos para isso), atende sem pestanejar convites para participar de programas humorísticos onde, via de regra (odeio essa expressão) , caçoam dele e de sua fama de ladrão. Em que outro lugar do mundo isso seria possível ?

Digam o que disserem os arautos do novo tempo que não chega nunca sobre o Mensalão e a tal ‘nova página da história’ do Judiciário, lá estará Paulo Salim Maluf a provar que a justiça brasileira é a mesma de sempre, mesmo depois que petistas começaram a engrossar a população carcerária. Enquanto houver um Paulo Maluf solto, nem dez  Zés Dirceus presos convencerão alguém de que o que aqui no Brasil se faz, na Papuda mesmo se paga.

A cerveja Proibida e o limite entre publicidade e apologia

Imagine a seguinte situação: Todos os dias um cantor famoso de música sertaneja entra na casa de milhões de famílias para convencer as  pessoas mais susceptíveis a consumir um determinado tipo de droga. O grande apelo é a uma condição, que parece ser imanente ao produto: a  proibição. A droga em questão é devastadora. Estima-se que cerca de 13 % da população sejam adictos a ela, que é responsável ou está presente em 3 a cada 4 acidentes de trânsito, em quase todos os homicídios eventuais, casos de agressão contra mulheres e crianças. 

proibida

Se você acha essa imagem absurda, saiba que ela existe no mundo simbólico, mas também no real. Trata-se de uma campanha publicitária de uma nova marca de cerveja.  O dublê de cantor  e garoto-propaganda é Leonardo. A droga é o álcool contido na cerveja que ele anuncia. A marca contém o bordão: Proibida.  

Eu não a conhecia e imagino que boa parte dos consumidores brasileiros também não. Passei a conhecer agora, no filmete que está sendo veiculado na TV. Não sei se a cerveja é boa ou não, mas a maneira com que se apresentou foi bem heterodoxa.  A começar pela escolha do nome.

A cerveja, ainda que contenha álcool, não é uma droga proibida no Brasil — a não ser para menores de idade e para quem pretende dirigir. Há pelo menos dez países onde beber uma cerveja pode dar cadeia. Experimente abrir uma latinha nos Emirados Árabes,  Irã ou Kuwait. Vão olhar para você como se você estivesse fumando uma pedra de crack.  

Penso que só faz sentido uma cerveja se chamar “Proibida” num lugar desses: países muçulmanos que baniram o uso e a venda de álcool. Aí, sim, estaria mais do que justificada a alusão a algo que se deve fruir secretamente, dissimuladamente,  que o Estado deve obstar, vedar, impedir,… proibir.

Em 1920 os Estados Unidos proibiram o álcool para, supostamente, combater a violência.  Os engarrafadores de destilados perderam o status de industriais bem-quistos socialmente e passaram a ser caçados como traficantes. O álcool proibido gerou ainda mais  impactos  deletérios do  que produzia na legalidade. A consequência mais importante da Lei Seca foi a organização da máfia em torno do contrabando de bebidas. 

No Brasil do século XXI, fábrica de cerveja não produz droga proibida. Produz droga legal. Em relação aos produtores de estupefacientes ilícitos, os fabricantes de bebidas gozam de uma série de privilégios e franquias que lhes permitem mover suas indústrias à luz do dia,  dentro da legalidade, distribuir a produção por meio de uma rede lícita de comerciantes, gerar empregos e arrecadar impostos. 

Diante disso, pergunto: que vantagem a alusão a algo ‘proibido’ poderia trazer a essa cerveja ? Ou,  de outra forma, que vantagem ofereceria a cerveja a seu consumidor ao aduzir a algo proibido  — a ponto de,  em detrimento de todas as outras,  fazê-lo optar por aquela marca ? 

“O consumidor compra o conceito, a marca, não o produto”, reza o bordão publicitário. E por que ‘Proibida’ ? Obviamente, porque há alguma identificação entre o consumidor e o conceito. Imagine, por exemplo, o efeito poderoso desse bordão sobre o metabolismo de um motorista  alcoólatra.  “Dá uma Proibida aí!”, diria ele ao balconista do bar de beira de estrada na parada para abastecer o caminhão. Nessa situação hipotética, o nome e o conceito que ele encerra estariam plenamente adequados e justificados. 

Mas como os adolescentes vão decodificar a mensagem contida nessa campanha  publicitária ? Para eles, qualquer cerveja é rigorosamente proibida em qualquer situação. Ocorre que, segundo a Pesquisa Nacional da Saúde do Escolar do IBGE, 71,4% dos adolescentes com idade entre 13 e 15 anos já experimentaram bebidas alcoólicas. Mas repare: apenas 15,8% conseguiram o álcool com amigos. Todos os demais, três em cada quatro, obtiveram a droga em lojas, bares e supermercados. A maioria absoluta, em festas.

Não é difícil perceber a vulnerabilidade desse segmento da nossa população. Os mais jovens, que deveriam estar efetivamente sob proteção do Estado e a salvo da drogadição, bebem em qualquer lugar. Muitas vezes, com a condescendência — e até o incentivo descarado — da família. Assim, esses jovens acabam formando uma boa parte da clientela das indústrias de bebidas, que indisfarçavelmente nutrem interesses por esse segmento do mercado. Nas baladas do centro rico das metrópoles, eles consomem desbragadamente os ‘ices’, que são bebidas alcoólicas com gosto de refrigerante; nas da periferia, misturam vodka barata com refrigerante. 

É aí que o apelo da cerveja Proibida cai como uma luva: no seio do público adolescente. Para eles, o álcool se equipara a todos os estupefacientes em sua imanente ilegalidade: é tão proibido quanto a maconha, a cocaína e o crack. O fato de ser liberado para os maiores de dezoito anos não o torna legal nem moralmente aceitável para essa faixa etária. Mas cria uma empatia mercadológica com a ânimo transgressor característico da adolescência.Quanto mais proibida, mais atraente se torna a cerveja para quem não pode, mas vai bebê-la.

À medida em que ganha ao se aproximar do que é ilegal — e com a vantagem de não sê-lo — a campanha da cerveja Proibida também se aproxima do limite tênue entre publicidade e apologia.No campo do direito, isso faz uma enorme diferença. No da publicidade, talvez nem tanto. Mas é no campo da ética que se situa o discussão. E essa dubiedade oferecida por um produto que é uma droga, mas não ilegal, e uma campanha que é publicidade, mas também tem um caráter apologético, que pauta o problema.

Como a publicidade no Brasil é auto-regulada, com a palavra o CONAR.

Maconha pelas razões erradas, por Hélio Schwartsman

É claro que cada um é livre para defender o que achar melhor, mas devo dizer que algo me incomoda na estratégia de grupos de ativistas de pressionar pela legalização da maconha com base em suas propriedades medicinais.

Não me entendam mal. Sou pela legalização não só da maconha como de todas as drogas. É fato ainda que a Cannabis apresenta várias moléculas de interesse médico, que deveriam ser exploradas clinicamente.

maconhamedicinal

O que não me parece muito certo na tática escolhida é que ela aposta na corrosão das normas e não em sua modificação, como seria mais honesto. Foi este o caso de alguns Estados norte-americanos, que passaram a admitir o uso de maconha em contexto médico e logo viram surgir uma indústria de consultas com profissionais de saúde cujo único intuito era encontrar uma “moléstia” que justificasse a emissão da carteirinha de usuário para qualquer um que desejasse. Com ela, o paciente poderia comprar a erva para tratar quase tudo, de dor nas costas a caquexia.

Não gosto desse caminho por várias razões. A mais trivial é que ele contribui para esvaziar a própria noção de lei. Apesar da miríade de normas estúpidas que assola o mundo, a ideia de que a sociedade pode impor regras que valem para todos os membros ainda é fundamental.

Também me parece ruim associar a maconha com remédio. Isso pode fazer com que se perca de vista que se trata de uma droga, ou seja, que vem com uma porção de efeitos colaterais que podem ser danosos.

Mais importante, a estratégia de comer pelas beiradas faz com que as pessoas deixem de travar o bom combate. Ao circunscrever o debate da legalização apenas à maconha e pelas razões erradas, perde-se a oportunidade de formular o argumento essencial, a saber, que o Estado não tem legitimidade para decidir o que um cidadão, de posse das informações relevantes e sem prejudicar terceiros, pode fazer consigo mesmo.

helio@uol.com.br

Leia o texto no site da Folha de São Paulo, onde foi originalmente publicado

Um bom vídeo da marcha da maconha para fazer você pensar: baseado em quê ?

 

O tema é tão polêmico que  não conheço um só vivente que não tenha opinião formada a respeito: a descriminalização da maconha. O editor deste blog também tem a sua própria opinião: é a favor da descriminalização da maconha para qualquer fim. Agora chega de falar de mim mesmo na terceira pessoa.

Em respeito aos que divergem de mim, aceito todas as opiniões como legítimas. Até mesmo aquelas em que se pode  identificar claramente a carga de preconceitos, produto de uma campanha intensa de desinformação que já dura mais de 80 anos. 

Conheci outro dia uma senhora cujo filho tem esclerose múltipla. Há 15 anos ele usa a maconha para aliviar as dores e se manter a saudável. Quinze anos. Essa senhora diz ter consciência de  que o filho só está vivo, bem de saúde e produtivo por causa da erva. Mas nem isso faz com que ela aceite o fato de o filho ser um maconheiro.

Os organizadores da Marcha da Maconha produziram um bom vídeo onde alinhavam seus argumentos. Quem é a favor, como eu, vai encontrar ali motivos para reafirmar suas crenças. Mas quem é contra talvez também consiga extrair elementos para fortalecer sua posição.

De um jeito ou de outro, vale a pena assistir.  O debate vai esquentar nos próximos dias, quando a Comissão de Constituição e Justiça votar o substitutivo do senador sergipano Antônio Carlos Valadares (PSB) ao projeto do deputado Osmar Terra (Solidariedade).

É bom você estar afiado para defender o seu ponto-de-vista.

Vai uma cervejinha aí, STF ?

 A Federação Nacional de Distribuidores de Cerveja acaba de protocolar uma ação no Supremo Tribunal Federal que escancara aquele que talvez seja o maior problema do Poder Judiciário: a lerdeza extrema. O caso, por si só, é capaz de demonstrar de maneira cabal o axioma de Ruy Barbosa segundo o qual “Justiça tardia nada mais é do que injustiça institucionalizada” .

ambev

A ação, patrocinada pela advogada internacionalista Maristela Basso,  é uma arguição de descumprimento de preceito fundamental. No cerne do problema, um caso que envolve os interesses de 277 mil pessoas, de 2500 empresas e que já percorre os labirintos intrincados da burocracia judiciária há mais de uma década.

A história começa no dia 1 de julho de 1999, quando as empresas Brahma e Antártica decidiram se fundir em um só conglomerado e passaram a ser controladas pela AMBEV. O negócio foi aprovado pelo CADE m março do ano seguinte. Uma das condições impostas para a aprovação era a de que funcionários, representantes e outros agentes não fossem prejudicados.

Naquele mesmo mês os antigos distribuidores dos produtos Antárctica já iniciavam sua longa jornada de denúncias judiciais e administrativas contra práticas comerciais abusivas da AMBEV. Rapidamente,  suas cotas foram redirecionadas para outros distribuidores. Dizem que foram literalmente “expulsos” do mercado. Tiveram que fechar suas empresas e demitir funcionários.  Muitos enfrentaram privações terríveis. Há vários registros de depressão, anorexia nervosa e surtos de pânico. Houve pelo menos um caso de suicídio em meio a um intrincado processo de falência.

Sob pressão da opinião pública e criticada por vários parlamentares, a AMBEV decidiu propor unilateralmente um acordo por meio do qual se obrigava a indenizar seus antigos distribuidores com base em um programa de simulação do valor das perdas. O acordo foi assinado em agosto de 2002. Mas jamais foi cumprido. Três anos mais tarde, em 2005, já esgotados financeiramente, os ex-distribuidores ingressaram com uma ação civil pública contra a AMBEV. Foi o começo da barafunda judicial que até hoje não terminou. 

O processo foi protocolado na Justiça Federal no dia 9 de setembro de 2005. Mas a primeira sentença tardaria ainda inacreditáveis três anos — só ocorreu em 10 de outubro de 2008. Foi desfavorável à AMBEV, que decidiu recorrer. O TRF da Terceira Região, pasme, demorou quatro longos anos para julgar a admissibilidade do recurso — e decidiu não conhecê-lo. E assim, de recurso em recurso, até hoje os ex-distribuidores não conseguiram receber um centavo sequer das indenizações oferecidas pela AMBEV.

A advogada Maristela Basso, que os representa, fica indignada com o tempo que o Judiciário demanda para, a rigor, engabelar seus clientes. Para ela, não basta a esse Poder oferecer portas de entrada para que o cidadão possa tentar fazer valer seus direitos. O problema é que não há “portas de saída, situação anômala que compromete a efetividade do processo”.

Mas não é apenas isso. Um Estado que priva cidadãos de receber o que lhes é devido por exercícios de procrastinação do Poder Judiciário é ente que quedou genuflexo diante da força e dos músculos dos gigantes econômicos. É o caso desse capítulo feio envolvendo a AMBEV, que destroçou a vida desses empresários, de todos os seus empregados e depois, sob as bênçãos de órgãos administrativos como CADE, se negou, por quase quinze anos, a restituir aquilo que ela mesma se dispôs a fazer.

Em defesa da Monica Waldvogel, contra a falácia de Vladimir Safatle, por Sérgio Leo

Antes de tudo, deixo claro que gosto muito do Vladimir Safatle, e considero a leitura de seus artigos mais que necessária, prazerosa. Uma das vozes indispensáveis no debate público brasileiro. Tem uma posição clara, e uma pretensão explícita: ao lançar seu nome como candidato do PSOL em São Paulo, mais que ganhar eleição, quer garantir espaço na arena política. Legítimo e justo. Adoraria se amigo dele. Que, ainda por cima, é doutor em Lacan. E inteligente e erudito como nunca serei.

Ele, em entrevista na Globonews, repetiu argumento comum nas redes sociais: a imprensa deu destaque à morte do cinegrafista, por um rojão atirado por um militante, e desprezou as outras várias mortes causadas nas manifestações pela polícia. Nessa contabilidade, inclui pessoas mortas quando tentavam escapar da confusão, uma mulher que teve ataque cardíaco quando sentiu as bombas de gás, um garoto atropelado por um taxi, um senhor que caiu do viaduto.

Para quem não segue a linha de raciocínio de Vladimir e seus companheiros, a falácia é evidente, embora seja muito mais difícil denunciá-la inequivocamente, sem correr o risco de parecer que se defende a brutalidade e incompetência policial. Minha amiga Mônica Waldvogel, que teve a honestidade jornalística de chamar Vladimir para a entrevista e dar a ele condições de explicar com liberdade suas posições e argumentos, tentou rebater essa falácia, e não foi feliz. Bastou a tentativa para ser demonizada nas redes sociais, pelos que só veem más intenções em todo esforço jornalístico.

Está aí a falácia de Vladimir Safatle (e não só ele): dizer que é erro ir a fundo no caso Santiago porque não se fez isso na violência policial é o mesmo que impedir apuração contra os “justiceiros” da Zona Sul enquanto não reprimir a onda de assaltos no Aterro do Flamengo. Monica, que conheço há anos e é uma jornalista competente e sensível, pressionada pelas limitações de tempo e profundidade da entrevista ao vivo, investida do papel de provocador, não de antagonista, atrapalhou-se na hora de inquirir o Vladimir. O que bastou para a claque de sempre nas redes sociais a atacar.

monica-waldvogel

A questão é que a polícia é autorizada pelo contrato social a exercer a violência, se necessário for, para manter a ordem pública. E só ela. E com limites claros.  Os demais cidadãos, ao notar o abuso desse poder de polícia, podem e devem recorrer às outras instituições da democracia, o Judiciário, a corregedoria, os políticos. Se as instituições não funcionam, a (grande) política está aí para o esforço de mudá-las, o Judiciário deve ser pressionado legitimamente, os órgãos públicos lenientes, denunciados.

Quem, na ausência de resultado das ações contra a violência policial, defende que cada cidadão faça justiça pelas próprias  mãos, jogando pedras, rojões e coquetéis molotov nos policiais ou em quem estiver perto, está seguindo a mesma cartilha preconizada pelos neo-integralistas da linha Rachel Sheherazade: o Estado não nos atende, os cidadãos de bem têm o direito de agir por conta própria,violentamente se julgarem necessário, contra a violência que os ameaça.

Nem todo cidadão ferido ou coisa pior em um tumulto resultante do confronto entre policiais e manifestantes é vítima da violência que partiu da polícia. Há que se apurar cada caso, cada circunstância e, seguramente, as mortes causadas pelo despreparo da polícia não são todas as que lhe atribuem agora. As outras, das vítimas da polícia, devem ser apuradas e determinada punição aos responsáveis.

A morte de Santiago tem, sim, caráter diferente, porque não decorre do despreparo ou brutalidade dos agentes públicos encarregados pela sociedade de atender às ordens de governos legitimamente eleitos. É consequência da ação voluntarista de cidadãos que julgaram legítimo acionar um artefato explosivo, letal, para combater o que consideram violência do Estado. Nem sequer se assumem como grupo, ou partido, ou qualquer instituição capaz de substituir a ordem vigente por outra mais inclusiva. Defendem que, pela violência, obrigarão o Estado a reconhecer suas reivindicações (vagas, difusas) e isso mudará o status quo. Condenar os autores da morte de Santiago é condenar esse modo de ação violento e descontrolado que quer se fazer passar por alternativa às soluções democráticas existentes

Os disparados de rojão mudaram, de fato, o status quo da família de Santiago, que perdeu o pai e marido. Dos jornalistas, que se consideram alvo dos manifestantes radicalizados convencidos de que a “mídia” é composta por canalhas e inimigos da população. E do governo, independentemente da filiação partidária, que se vê obrigado a descobrir uma forma de evitar que se repita o assassinato ou a destruição de bens públicos e privados, em escala maior ou em outras circunstâncias politicamente mais delicadas. Mudou também o status quo da direita e outros oportunistas de corte autoritário, que ganharam aliados para bradar por leis repressivas mais severas, argumentando que a anarquia das manifestações mata inocentes e pode levar ao descontrole social.

Nada reduz a necessidade de cobrar da imprensa uma atenção maior às consequências da violência policial. A dependência dos repórteres em relação a informações do governo, a relação às vezes espúria entre certos jornalistas e policiais, a constatação de que muitos manifestantes defendem abertamente a destruição de bens públicos e privados como forma de protesto legítimo, tudo isso contribui para diminuir o empenho da imprensa em ir mais a fundo na cobrança de investigações e responsabilização dos culpados na polícia.  Erro grave, que deve  ser cobrado.

Mas nada disso faz com que seja menos necessário investigar e cobrar independentemente as responsabilidades no caso do cinegrafista morto. Até porque há muita gente que não vê mal no que houve, chama a morte de “acidente” e anuncia a intenção de prosseguir com respostas violentas à ação do Estado e até mesmo à decisão de prosseguir com a realização da Copa do Mundo. Uma coisa, urgente e necessária, é exigir mais eficiência e responsabilidade do aparelho do Estado, o que vem sendo feito e pode ser feito com mais ênfase. Outra é condenar o voluntarismo e irresponsabilidade de quem romantiza a violência pretensamente revolucionária, sem atentar para suas consequências, dificilmente positivas na conjuntura política que vivemos.

É a outra ponta da falácia de Vladimir (e não só ele): aceitar a crítica de que a imprensa, antes de falar de Santiago, deveria ter falado da polícia, é aceitar como legítima a resposta violenta e individual ao desconforto com a ineficiência e violência do Estado. Isso dá em Black bloc. Mas também dá nos justiceiros do Flamengo. Duas faces reacionárias e anti-democráticas da mesma moeda podre. Como certamente quis mostrar a Mônica, que entrou nessa história como jornalista, disposta a esclarecer, não polemizar, sem a disposição retórica de militante.

Estou contigo Mônica Waldvogel, Sei como é cruel tentar abrir espaço ao entrevistado e ser alvo de más interpretações de quem confunde entrevista com disputa política.

Leia o original no blog do Sérgio Leo