Uruguai: falar de maconha, só com o rosto coberto

Não há mesmo nada muito diferente do Brasil aqui no Uruguai. A lei de drogas efetivamente não tornou a maconha mais popular nem socialmente aceita. Ontem mesmo, para entrevistar um consumidor, tive que dar um jeito de esconder o rosto dele. A preocupação do rapaz era com o patrão e os chefes. Disse que, se fosse identificado nas imagens, poderia ficar sem o emprego. Muita gente não contrataria um maconheiro no primeiro País do planeta a ter uma política de regulação libertária.

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Ontem eu havia dito para vocês que o clima aqui está longe, muito longe do liberou-geral de Woodstock. Não é porque será vendida em farmácias e poderá ser livremente consumida por qualquer cidadão com mais de 18 anos de idade que a maconha se transformou na queridinha dos almoços dominicais em família. Não. Um dos mais exaltados ativistas da época das Marchas da Maconha em Montevideo (houve só duas) não tem coragem de desfilar pelas ruas do povoado onde nasceu, perto da fronteira com o Brasil, com um baseado na boca. “Minha família não toleraria. Meu pai poderia ter um enfarte se me visse fumando um ‘porro'”, que é como chamam o cigarro de maconha aqui. “Sou livre, mas não sou doido de afrontar os velhos”, disse ele.

Só para esclarecer. A regulamentação da lei de drogas ainda está pendente. Os uruguaios vivem numa espécie de limbo jurídico que vai durar até o dia 2 de abril, quando termina o prazo para que o governo baixe a legislação ordinária, os decretos e portarias que vão estabelecer quem vai produzir a erva e como os uruguaios vão ter acesso a ela. A lei só vai vigorar plenamente em meados de julho. Na prática, no entanto, ninguém mais vai preso por fumar ou por manter até seis plantas em casa. Mais do que isso a polícia confisca (porque ainda não há previsão legal para o cadastro dos cultivadores, que a nova legislação exige). A fonte de marihuana ainda é o narcotráfico e praticamente toda a erva é contrabandeada do Paraguai, exatamente como no Brasil. 

Não aposte numa relação pacífica entre os maconheiros e seu guru, o presidente Mujica. Ele não gosta de quem fuma — costuma chamar os usuários de “estúpidos”, o que muitas vezes coloca a equipe de assessores afinados com os ativistas em situação delicada. Mujica deixa claro o tempo todo que não quer transformar o Uruguai numa narco-república nem passar para a história como o presidente do liberou-geral. Ao contrário, quer é se livrar do tráfico internacional de drogas — um ótimo motivo, aliás, para passar por cima das cismas seculares o tolerar minimamente o fumacê. 

 

 

O Uruguai e a maconha livre

Estou em Montevideo para produzir uma série de reportagens sobre a descriminalização da maconha neste País. Cheguei ontem à tarde. E, de cara, fiquei espantado: apesar da milhares pessoas que esperavam o por-do-sol na Rambla, a avenida à beira do Rio da Prata, não havia aqui um clima de Woodstock, como eu esperava.

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Vi apenas um casal fumando um baseado na sacada de um apartamento que fica bem em frente à janela do meu quarto de hotel. Ninguém mais. Há mais cheiro da erva no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, numa tarde de domingo, do que havia ontem na capital do Uruguai.

Aprendi pouco até aqui, mas entendi que algo descriminalizado é diferente de algo bem-vindo, aceito ou recomendado socialmente. Talvez resida nisso a esperança de sucesso da estratégia arriscada que o País adotou para tentar vencer o narcotráfico utilizando contra ele as duras leis do mercado e da competição. Agora que retirou a maconha do limbo da ilegalidade, o Uruguai vai poder tratar seus doentes e tentar convencer os que estão saudáveis de que é feio fumar maconha. Como aconteceu com o cigarro no Brasil, que hoje tem metade dos usuários de duas décadas atrás.

Conversei com algumas pessoas nas ruas para saber a opinião delas sobre a nova política para as drogas. É evidente a divisão que o tema provoca. Encontrei pessoas céticas, outras otimistas, mas ninguém apavorado com a maconha livre. Talvez a população tenha entendido a mensagem do presidente Mujica: não é a ressurreição da contracultura, como disse ele ontem a O Globo. É uma medida extrema para conter o avanço do crime organizado.

Veja só que diferença entre o que acontece aqui e o que vai na cabeça dos governantes brasileiros. Em um único ano o Uruguai resolveu o problema do aborto, da maconha e do casamento gay. A adequação  a este momento delicado da história, pautado pela fragmentação das identidades sociais e pela valorização das pautas contra-hegemônicas, vai construindo um novo País.

Enquanto isso, o narcotráfico continua corroendo as instituições e desafiando o Estado onde líderes covardes aguardam a aposentadoria para lamentar o que não fizeram a respeito do assunto. Caso clássico do Brasil de FHC e dos EUA de Bill Clinton.

Para encerrar este post, ressalto o abismo estatístico que existe entre o Brasil e Uruguai quando o assunto é o estrago provocado pela criminalidade no bem mais importante que o Estado tutela, a vida. Aqui no Uruguai os crimes de morte acontecem numa proporção de 5,9 casos para cada 100 mil habitantes. No Brasil, são 21 mortes violentas entre 100 mil habitantes. 

Barbosa no tronco, por Reinaldo Azevedo

A discriminação racial assume muitas faces, mas três delas se destacam. Há o ódio desinformado, raivoso, agressivo. O sujeito não gosta do “outro” porque “diferente”, o que, para ele, significa inferior. Há a discriminação caridosa, batizada de “racismo cordial”. Olha-se esse “outro” como um destituído de certas qualidades, mas sem lhe atribuir culpa por essa falta; o “diferente” merece respeito e, se preciso, tutela. Uma vertente da cordialidade é ver a “comunidade” dos desiguais (iguais entre si) como variante antropológica. Com sorte, seus representantes acabam no “Esquenta”, da Regina Casé, tocando algum instrumento de percussão -nunca de cordas!- ou massacrando a rima num rap de protesto. E há uma terceira manifestação, especialmente perversa, que chamo de “racismo de segundo grau”. Opera com mecanismos mais complexos e só pode ser exercida por mentalidades ditas progressistas. É justamente essa a turma que tenta mandar o negro Joaquim Barbosa, ministro do STF, para o tronco.

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Os leitores da Folha que conhecem o meu blog sabem que, ao longo dos anos, mais critiquei Barbosa do que o elogiei. Antes ou depois do processo do mensalão. E os temas foram os mais variados -inclusive o mensalão. Ainda que a internet não servisse para mais nada, seria útil à memória. Os textos estão lá, em arquivo. Cheguei a ser alvo de uma patrulha racialista porque, dizia-se então, este branquelo não aceitava a altivez de um negro.

O ministro era saudado como herói por esquerdistas, “progressistas” e blogs financiados por dinheiro público -aqueles que se orgulham de ser chamados por aquilo que são: “sujos”. Como esquecer os ataques nada edificantes de Barbosa a Gilmar Mendes, seu parceiro de tribunal, em 2009? Os “petralhas” consideravam Mendes o seu único inimigo na corte, e o “negro nomeado por Lula” seria a expressão do “novo Brasil”. O príncipe virou um sapo.

Não entro, não agora, no mérito dos votos do ministro no caso do mensalão. Fato: não tomou nenhuma decisão discricionária -até porque, na corte, a discricionariedade, quando existe, atende pelo nome de “prerrogativa”. Que a sua reputação esteja sob ataque, não a de Ricardo Lewandowski, eis a evidência da capacidade que a máquina petista tem de moer pessoas. Por que Lewandowski? O homem inocentou José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino até do crime de corrupção ativa, mas foi duro com Kátia Rabello e José Roberto Salgado, do Banco Rural. Para esse gigante da coerência, os crimes da “Ação Penal 470” (como ele gosta de chamar) poderiam ter sido cometidos sem a participação da trinca petista. É grotesco!

Mas o que é esse tal “racismo de segundo grau”? É aquele que tenta impor ao representante de uma “raça” (conceito estúpido e desinformado!) um conteúdo militante que independe da sua vontade, da sua consciência, da sua trajetória pessoal. Assim, por ser negro, Barbosa seria menos livre do que um branco porque obrigado a aderir a uma pauta e a fazer o discurso que os “donos das causas” consideram progressista. Ao nascer negro, portanto, já teria nascido escravo de uma agenda.

O mensaleiro João Paulo Cunha foi explícito a respeito: “[Barbosa] Chegou [ao Supremo] porque era compromisso nosso, do PT e do Lula, reparar um pedaço da injustiça histórica com os negros”. O ministro não se pertencia; não tinha direito a um habeas corpus moral.

Afinal de contas, quantos votos Barbosa tem no tribunal? Notem que os movimentos negros -a maioria pendurada em prebendas estatais- silenciou a respeito. Calaram-se também quando o jornalista Heraldo Pereira foi chamado de “preto de alma branca” por um desses delinquentes financiados por dinheiro público. Por que defender um negro que trai a causa? Por que defender um negro bem-sucedido da TV Globo?

Um preto só prova que é livre quando obrigado a carregar a bandeira “deles”.

Reinaldo Azevedo escreve às sextas-feiras na Folha de São Paulo.

 

O bas-fondmetro nas pistas paulistas

Falei aqui ontem sobre a minha desconfiança de que pelo menos parte da carnificina que grassa nas rodovias paulistas se  deve á incúria dos responsáveis pelo patrulhamento preventivo — portanto, à Secretaria de Segurança Pública e ao governador Geraldo Alckmin.

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Só neste carnaval houve 37 mortes, número que não se registrava desde 2010. Acho que isso está em linha com a redução das ações de fiscalização da chamada Lei Seca para uma fração do que tínhamos no começo da década. Uma coisa é consequência da outra.

Antes de publicar o texto, entrei em contato com a assessoria de imprensa da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Solicitei que me confirmassem o número de blitze, se possível a série histórica. A resposta só veio muito mais tarde, muitas horas depois que fiz a publicação. E trouxe ainda mais elementos para reforçar minha convicção.

A PMSP não consegue confirmar nem desmentir os números que circularam nos jornais dos últimos dias. Eles dão conta de que houve apenas 70 blitze no ano passado, o que representaria uma redução de 75% em relação a 2012, quando teriam sido feitas 277 operações. Não consegue confirmar porque, de acordo com a assessoria, “não é possível informar o número de Blitzes (SIC) realizadas”.

Em contrapartida, me enviaram um dado muito mais substancioso e importante: uma tabela com a série histórica de ocorrências em que motoristas foram submetidos ao teste do bafômetro desde 2009. Esses números são muito mais eloquentes do que os que vinham sendo tratados anteriormente. 

tabelaO que essa tabela revela ? Ela mostra o número de cidadãos fiscalizados na capital, no interior e nas estradas do estado ao longo dos últimos cinco anos. Em 2009, ano seguinte à promulgação da primeira versão da Lei Seca, quase 222 mil motoristas foram submetidos ao bafômetro. Em apenas dois anos, esse número chegou a quase 950 mil testes aplicados — um crescimento vertiginoso de quase 430%.

Mais vertiginosa do que essa ascendente incrível, só mesmo a queda livre do ano seguinte. Depois de tangenciar um milhão em 2012, apenas 12.989 motoristas foram submetidos ao bafômetro em 2013. A queda foi de inacreditáveis 98,63%. Para que você possa dimensionar com mais precisão o que isso representa, pense que a mesma PM aplicou 73 vezes mais testes do bafômetro em 2012 do que em 2013. Há algo que justifique ou explique isso ?

Pode haver sim. Por exemplo, um erro da assessoria de imprensa. Um erro das estatísticas (nunca ouvi falar que eles erraram para mais, só para menos). Mas teria que ser um erro grosseiro demais em uma informação estratégica (pelo menos do ponto de vista presumível do marketing político), que demandou mais de onze horas para ser liberada.

Agora vamos à comparação com alguns números do Rio de Janeiro, estado que faz os paulistanos morrerem de vergonha em relação à seriedade com que a tal Lei Seca é tratada. Repare que neste ano, até o dia de ontem (6 de fevereiro), foram aplicados 8773 testes em São Paulo. Em todo este ano, reparou ? Pois só no carnaval a Operação Lei Seca fluminense abordou 85% disso no Rio de Janeiro. Em apenas seis dias!

Será que o Romário teria pago o mico que pagou se estivesse dirigindo bêbado em São Paulo? Ele foi flagrado, multado e teve a carteira apreendida em pleno carnaval do Rio de Janeiro pela Operação Lei Seca. Deve estar morrendo de inveja dos colegas de São Paulo, que  podem entornar o caneco à vontade certos de que ninguém vai incomodá-los no trânsito. E não se pode dizer que a imunidade ao bafômetro é privilégio de deputados e senadores.

Nem a enganação. Se você não acredita, acompanhe meu raciocínio.

release

Em plena carnificina momesca, a Secretaria de Segurança Pública solta um release que é um primor de desfaçatez. Um print de página está aqui ao lado. Se você clicar nele, vai lê-lo dentro do site da SSP. Veja a manchete: “Número de mortes diminui nas rodovias sob concessão no carnaval deste ano”. A única verdade absoluta que esse texto expressa não está contida em nenhuma declaração literal. É a de que talvez o problema esteja nas estradas que o governo administra diretamente, e não naquelas cuja administração foi entregue à iniciativa privada. 

A  locução “Lei Seca” não é muito popular no site oficial do governo paulista. Entre no portal e digite “Lei Seca”no mecanismo de busca para ver o que acontece. Eu já fiz isso para você e o resultado está aqui, se te interessar. A pesquisa retorna 79 documentos entre textos, videos, fotos, discursos etc. O mais recente é um press-release sobre uma operação chamada “Direção Segura”.  Data de 5 de julho do ano passado, na antevéspera do feriadão da Revolução Constitucionalista. Isso foi há oito meses. O post informava que a Polícia Rodoviária iria flagrar os embriagados ao volante com “300 novos bafômetros”.  Não se sabe o que foi feito com tantos bafômetros. Mas nunca mais os assessores de imprensa do governo escreveram uma nota sequer sobre o assunto.

A propósito, a palavra ‘bafômetro’ também não é muito popular no portal do governo. A última vez que figurou em algum comunicado à imprensa foi justamente nesse, velhinho de oito meses, onde se noticia a tal operação dos trezentos bafômetros.

 

 

A lei que São Paulo jogou fora e as mortes que isso provocou

O que foi feito das blitze da Lei Seca em São Paulo ? Elas simplesmente desapareceram, fazendo com que o número de acidentes, mortos e feridos nas rodovias crescesse vertiginosamente nos últimos meses. E por que isso está acontecendo ? A resposta é bem simples: é graças à desastrosa política de segurança pública do governador Geraldo Alckmin, que simplesmente jogou fora um instrumento cujo advento representou uma conquista de anos para o cidadão brasileiro, a lei que pune severamente a condução de veículos por motoristas embriagados.

As estatísticas divulgadas hoje deixam claro: com menos blitze, ou com blitze quase inexistentes, os motoristas se sentiram à vontade para voltar a dirigir bêbados. E voltaram a matar. Os números não deixam dúvidas. Este carnaval foi uma carnificina. Não havia tantos mortos em acidentes desde 2010. Pelo menos 37 pessoas perderam a vida no alalaô do trânsito liberado para os beberrões — um terço a mais do que no ano passado.

A Polícia Militar tenta engabelar os cidadãos atribuindo a culpa por esse aumento vertiginoso à imprudência dos atropelados e à vulnerabilidade dos motociclistas. Antes de formular essa desculpa estapafúrdia, que culpa as vítimas por sua própria desídia, a PM e a SSP deveriam ter em conta que o cidadão, que não é tão opaco mentalmente como pretende o governo tucano, percebe com nitidez a falta das operações. Pense bem: quanta vezes você, que vive na cidade de São Paulo, foi parado em uma blitz e obrigado a soprar o bafômetro no ano passado ? 

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 Agora veja a foto aí em cima. Ela mostra um quadro que o carioca — note bem, o carioca — conhece muito bem. As blitze da Lei Seca no Rio de Janeiro mantêm a mesma frequência de antes. São feitas com estardalhaço. Onde há uma blitz há balões iluminados, barracas e uma grande exposição do logotipo que caracteriza esse tipo de ação. Tudo feito para que o motorista saiba que não vai ficar impune caso seja flagrado dirigindo embriagado. Diferentemente do quadro verificado em São Paulo, no Rio as autoridades não precisam ficar culpando os mortos pelos acidentes de que foram vítimas para justificar sua inação. Elas simplesmente agem — enquanto os subordinados de Alckmin cochilam. Uma vergonha para o estado mais rico da federação. 

A política de segurança pública sempre foi o calcanhar de Aquiles do governo Alckmin. Truculento demais em alguns momentos, tíbio e fraco na maioria dos demais, o governador, com sua sucessão de erros, já provocou a reversão de alguns indicadores que seus antecessores fizeram despencar com racionalidade e muito trabalho no passado. Se há algo que o paulistano médio deve a esse governo é justamente a sensação de insegurança que o aumento da criminalidade — evidente demais para não ser percebido — provoca em todas as camadas da população.

A inépcia do governo custa caríssimo à população. Estamos falando de vidas humanas que, como demostrou o entusiasmo com os primeiros resultados produzidos pela Lei Seca, deixam de se perder quando há uma fiscalização efetiva. A incúria das autoridades repercute de maneira funesta na vida das pessoas. Não há como não inferir que a redução do número de operações (foram 227 em 2012 contra apenas 70 no ano passado) não tenha relação direta com o aumento do número de acidentes e de vítimas. 

O governador do estado já deveria ter aprendido a calibrar suas ações na área de segurança. Mas, pelo que revelam as estatísticas (das causas e dos efeitos), ou não aprendeu, ou carece de competência para tratar do problema. Talvez lhe falte ainda uma lição: a que o eleitor ministra na urna, no momento de sufragar o nome daquele que vai gerir seu destino.

Os mascarados virtuais e o fascismo em rede

Concebida para ser o vetor de uma nova forma de organização social, a Sociedade da Informação, a internet se transformou rapidamente numa espécie de manicômio eletrônico em que a loucura e o oportunismo encontram território fértil para prosperar. Em meio a essa fauna, há oportunistas do anonimato que se incumbem (ou são incumbidos) da patrulha ideológica. O que essa gente faz ? Eles têm um papel análogo ao dos terroristas que explodiam bancas de jornais na década de 70. Assustam as pessoas para que elas se afastem de uma determinada linha de pensamento, caiam numa inexorável espiral do silêncio e se anulem como cidadãos desse vasto mundo virtual.

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Não é segredo para ninguém que os partidos, especialmente o PT, mantêm milícias pagas para interferir na maneira como o debate político se processa no ambiente da rede. Essas milícias, patrocinadas muitas vezes por dinheiro do contribuinte, atuam como multiplicadores das mensagens produzidas pela infantaria do jornalismo engajado e também, talvez principalmente, para desqualificar as mensagens produzidas pela infantaria inimiga. O leitor, aquele a quem a Constituição assegura pleno direito de se informar, acaba sendo fustigado pelos franco-atiradores de aluguel quando se identifica com esta ou aquela posição. 

Recebi durante o fim-de-semana um e-mail preocupante. Uma das leitoras mais ativas do blog contava que decidiu encerrar sua conta no Facebook por estar assustada com o assédio coativo dos milicianos da internet. E por que ela virou alvo ? Porque de vez em quando compartilhava textos deste blog no Facebook, com a própria leitora explica:

“Adoro sempre a maneira objetiva e clara como vc escreve as verdades dolorosas. E sempre compartilho tudo que vem de vc no meu Feed de Notícias. Em geral não faço comentários, apenas coisas como “então, né?”, “ói só”. E por aí vai. Na sexta feira eu compartilhei o  “PT INSTRUMENTALIZOU STF. QUAL É A NOVIDADE?”.  Compartilhei sem nenhum comentário. A novidade foi para mim. Um petralha de plantão partiu para a ignorância já começando a ofender a 1ª.pessoa que fez um comentário. Iniciou-se uma discussão e o petralha baixou completamente o nível falando palavrões. Eu tentei interferir pedindo que parasse com aquilo e que ele deveria respeitar a opinião de outras pessoas. Ficou tudo ainda pior. Ele falou tantos palavrões , ofendeu tanto que eu acabei por bloqueá-lo para que não pudesse falar mais nada porque eu já estava morta de vergonha”.

Em uma situação como essa, a arma do internauta é pífia. Tudo o que ele pode fazer se resume a tentar bloquear a pessoa que a ofende e denunciá-la aos administradores da página. No caso dessa leitora, porém, nem isso funcionou. Veja:

“Quando ele percebeu que eu o havia bloqueado começou a enviar msgs inbox. Me ofendeu tanto. Lembrei do livro do Tuma pq ele tentou “assassinar a minha reputação”. Só não me chamou de santa pq o resto foi tudo. Até de psicopata fui chamada. Não tive alternativa senão encerrar minha pagina do FB. Mas eu estou lhe contanto isso para que vc veja que não é apenas a imprensa que eles estão tentando boicotar. É sua opinião pessoal. Vc não pode falar nada contra eles (e que são as verdades) que eles partem para uma agressão tão desproporcional, tão descabida que eu não consigo entender. Me senti atacada por um Black Bloc como se estivesse em uma manifestação”.

Minha leitora, que mais do que justificadamente pede o anonimato para denunciar seu sofrimento, conclui o seguinte:

“Fiquei passando mal desde 6ª. Feira com uma sensação de medo, de pânico. Eles ameaçam, mentem, criam situações, acabam com vc. São capazes de criar verdadeiros dossiês sobre vc . Percebo que estão partindo para a atemorização para que vc fique quieto por medo. Ele disse que deveria me processar. Mas pq? Só pq eu penso diferente deles. Só pq eu penso como vc? O que eles estão tentando fazer  conosco, Fábio? Mesmo assim eu quero continuar postando seus textos.  Pensei em enviar por email para pessoas do meu relacionamento. Se for assim você me envia o link ou eu terei que procurar no Acta diurna?”

Ou seja: para manter esse vínculo de identidade, para continuar compartilhando textos com os quais sente empatia, minha leitora foi compelida a a recorrer a uma espécie de clandestinidade em rede. Quer continua lendo e compartilhando, mas apenas com um grupo de pessoas conhecidas, entre as quais estará imune às agressões que tanto a assustaram. Agora reflita: é ou não uma espécie de metáfora virtual da clandestinidade real que regimes de exceção impõem a quem discorda do pensamento hegemônico ? A mensagem é: não compartilhe textos que contêm pensamentos subversivos; não ouse manifestar sua opinião divergente; cale-se na sua insignificância contra-hegemônica. É isso o que os miliciano da rede querem que você entenda. 

Ainda ontem fiquei sabendo pelo blog do Reinaldo Azevedo que os mujahidin eletrônicos sabotaram a página do filósofo Olavo de Carvalho no Facebook. Trata-se, sem dúvida, de outro ataque da mesma natureza. Nao menospreze a fúria coativa desses vândalos da internet. Eles não estão aí para brincadeira. Além de formarem uma numerosa legião de mercenários, contam com a fúria irracional dos malucos em geral, com quem compõem para transformar blogs e fóruns em ambientes insuportavelmente beligerantes. 

Perigo no ar: 64 pilotos fraudaram habilitações da ANAC

Reportagem exclusiva do repórter Sandro Barboza, do produtor  Tony Chastinet e da editora Roberta Kerpen , da Rede Bandeirantes, chama a atenção para uma investigação que apura fraudes na habilitação de pilotos pela Agência Nacional de Aviação Civil.

Adulterações no sistema informatizado que gerencia o cadastro dos aviadores feitas por um estagiário da agência que agia em conluio com despachantes e pilotos, permitiram que monoglotas na língua portuguesa se transformassem em fluentes falantes de inglês. Um dos candidatos inventou o neologismo “conheciments”. Outro confundiu ‘flap’, que designa uma das superfícies aerodinâmicas da asa, com ‘flat tyre’, pneu furado em português.

Um dos pilotos envolvidos na investigação faleceu em um acidente no fim do ano passado. O avião que ele pilotava colidiu com a Serra do Mar próximo a Paraty, no litoral sul do Rio de Janeiro. O pai dele também perdeu a vida nesse acidente.

 

Papuda, o inferno brasileiro

Delúbio Soares teve suspenso o direito de trabalhar fora da cadeia por decisão da Vara das Execuções Penais do Distrito Federal. O motivo: as mordomias concedidas ao presidiário petista, como carro com chofer estacionado no pátio, comida vinda de fora e visitas a qualquer hora.

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José Dirceu despacha com quem bem entende na sala do diretor do presídio. Foi lá que ele recebeu, sem nenhum problema, agendamento ou autorização prévia, a visita de um defensor público que não tem nenhuma relação com a sua situação judiciária. 

A reportagem do jornal O Globo que revelou essa ‘audiência’ entre o chefe da Defensoria Pública da União e o chefe dos mensaleiros petistas explica assim o que aconteceu: “O defensor conta ter ido ao presídio sem avisar e, ao chegar à Papuda, o réu foi avisado de sua presença. Dirceu concordou em recebê-lo”. Ou seja: compete apenas ao presidiário José Dirceu, o novo chefe da Papuda, “concordar” com a realização de compromissos sociais dentro da cadeia para que eles aconteçam.

Parlamentares usam jalecos da Polícia Civil para entrar clandestinamente no presídio e visitar José Dirceu. O deputado Chico Vigilante usou roupa branca para se confundir com os detentos e ir ter com seu líder. 

Melhor do que isso, nem em em Assassinato de Reputações, do Romeu Tuma Jr. e do Cláudio Tognolli. Quem leu sabe do que estou falando.

Além disso, a multa que a justiça impôs aos condenados foi paga por vaquinhas milionárias. Não é pequeno nem pouco eficiente o esforço dos petistas para desmoralizar o Poder Judiciário e afrontar a sociedade.

O descalabro dos privilégios concedidos aos mensaleiros é tão grande que o governador do Distrito Federal, o petista Agnelo Queiroz, foi chamado às favas pela Vara das Execuções Penais. Vai ter que dizer se pretende manter o tratamento VIP dados aos colegas de partido que se encontram guardados na Papuda ou se os mensaleiros terão que ser transferidos para presídios federais. 

Não há imagem melhor para ilustrar o que ocorre do que a piada do inferno brasileiro, onde todos estariam obrigados a consumir um balde de excrementos por dia — e ainda assim seria a preferida de dez entre dez almas penadas.

Porque um dia falta balde. Noutro falta merda .No terceiro, o diabo não vem.

PT instrumentalizou STF. Qual é a novidade ?

Sobre a agonia no lance final do julgamento do processo do Mensalão pode-se dizer tudo: “tarde triste”, como disse o ministro Joaquim Barbosa, tarde vergonhosa como pensaram muitos, etc etc.  Menos que tenha sido uma tarde surpreendente. Porque o  processo que conduziu ao resultado de ontem — a absolvição do crime de formação de quadrilha dos réus do Mensalão — vinha sendo preparado há muito tempo — e com maestria — pelo governo petista com a instrumentalização paulatina da suprema corte do País. 

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No cerne dessa estratégia esteve a substituição de nomes de julgadores íntegros como os ex-ministros Ayres Britto e Cezar Peluso por outros comprometidos com as lides petistas — caso de Teori Zavascky e Luis Barroso, dois entes estranhos à composição do plenário que iniciou o julgamento da AP-470. Com a chegada de ambos, não apenas a composição política do Pleno do STF, mas sobretudo o perfil doutrinário foi drasticamente alterado para que se chegasse ao resultado a que se chegou na sessão desta triste quinta-feira.

A tática não é estranha aos países do chamado Eixo Bolivariano — Venezuela, Equador, Bolívia, Argentina e agora o Brasil. Foi por meio dela, por exemplo, que o tribunal constitucional de Caracas permitiu o adiamento da posse de Hugo Chavez quando este, moribundo, padecia em Cuba do câncer que terminou por matá-lo. Inventou-se uma norma para aplainar o caminho de Maduro até a presidência da Venezuela.

A decisão, anunciada pela presidente do tribunal constitucional Luisa Estella Morales (uma espécie de Luis Roberto Barroso de saia) contrariou o que está expresso no texto da constituição venezuelana, que manda realizar novas eleições em caso de impedimento permanente do candidato vitorioso nas eleições. 

No Equador, Rafael Correa tem usado o Poder Judiciário para penalizar jornalistas que lhe são críticos. Caso notório foi a condenação a três anos de prisão de três profissionais do jornal El Universo e a aplicação de uma multa estratosférica de US$ 40 milhões pela publicação de um texto que chamava Correa de “assassino de lesa humanidade”. Depois, reconhecendo o exagero da sentença, o próprio Rafael Correa “perdoou” o jornal e os jornalistas.

Na Argentina, um processo muito parecido com o que ocorreu no Brasil permitiu à presidente Cristina Kirshner impor a chamada Ley de Medios, um dos fetiches da esquerda brasileira, que tem por objetivo restringir a liberdade de imprensa e, por conseguinte, amainar as críticas que o governo recebe com hostilidade beligerante.

Não por acaso a América Latina vive hoje um paradoxo claro: a despeito de nunca ter havido um bloco tão expressivo numericamente de países democráticos ,  a democracia ainda incipiente é considerada um bem político de pouco valor — e, por esta razão, frágil. São “democracias de eleitores”, muito distantes ainda de uma “democracia de cidadãos”, na avaliação do Programa da Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

O resultado do julgamento do Mensalão, portanto, foi uma construção tática com o mesmo propósito de movimentos semelhantes ao largo do continente. Teve por objetivo enquadrar o Supremo Tribunal Federal como instrumento da realpolitik e nisso foi muito bem-sucedido. Não houve surpresa.

Afinal, o que estava em discussão não era fazer o que é certo ou o que é justo, consolidar ou aprimorar as instituições democráticas.  Era fazer o que é melhor para uma facção política. — e, com isso, os petistas não brincam.