Aconteceu no verão passado

Carlos Alberto Di FrancoNo fim da tarde de 22 de junho de 2012, uma sexta-feira, o Senado paraguaio aprovou por 39 votos a 4 o afastamento do presidente Fernando Lugo. Graças a informações repassadas pela Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês), a Casa Branca não se surpreendeu com o desfecho da crise política, escancarada por 23 tentativas de impeachment. Surpresos ficaram os governos do Brasil e da Venezuela, constataram os agentes da NSA incumbidos de vigiar também a movimentação dos vizinhos decididos a mandar às favas a soberania do Paraguai.

Inconformados com o despejo do reprodutor de batina, Dilma Rousseff e Hugo Chávez resolveram por telefone que o companheiro Lugo merecia continuar no emprego, que a ofensiva deveria começar de imediato e que seria conduzida pelos chanceleres dos dois países. Despachados para Assunção no meio da noite, o brasileiro Antonio Patriota apareceu sem aviso prévio no Senado paraguaio e o venezuelano Nicolás Maduro baixou sem ser convidado na sede do Poder Executivo.

O emissário de Dilma tentou anular a decisão quase unânime do Senado e reinstalar Fernando Lugo na presidência da República. O enviado de Chávez fez o que pôde para convencer os chefes das Forças Armadas a desfazer com um golpe de Estado o que fizera o Poder Legislativo. Ambos fracassaram miseravelmente. O vice-presidente Federico Franco assumiu sem sobressaltos o lugar do ex-bispo, que voltou a ter tempo de sobra para cuidar das ovelhas do rebanho.

A vingança dos parceiros trapalhões foi tramada com a ajuda da Argentina e do Uruguai: 150 anos depois da Guerra do Paraguai, a Tríplice Aliança reeditada por Dilma, Cristina Kirchner e Jose Mujica suspendeu do Mercosul o vizinho insubordinado e oficializou o ingresso da Venezuela, obstruído havia anos pelo mesmo Senado que afastara Fernando Lugo. Sorte do Paraguai: alheio ao assédio dos quatro patetas, que hoje imploram pela volta do país ao mais anêmico bloco econômico do planeta, o novo governo de Assunção prefere noivar com a Aliança do Pacífico e costurar acordos bilaterais muito mais vantajosos.

“Um dia, talvez, se conheça o histórico, as reflexões, os motivos e a atuação de cada um dos protagonistas brasileiros nesses episódios”, registrou o jornalista José Casado no artigo publicado pelo Globo em que divulgou essas informações. “Até lá, continuarão como segredos enterrados nos arquivos de um anexo virtual da Casa Branca: NSA”. O governo lulopetista não costuma deixar provas materiais das safadezas acumuladas pela política externa da cafajestagem (veja o post na seção Vale Reprise). Mas a documentação produzida pela espionagem ianque deixará de ser sigilosa daqui a alguns anos.

O pouco que vazou sobre o caso é suficiente para atestar que os americanos sabem detalhadamente o que Patriota e Maduro andaram fazendo em Assunção no inverno passado. E sabem muito sobre muitas outras coisas. Ainda bem. Deve-se sempre ressalvar que, em matéria de espionagem, o governo dos EUA tem ultrapassado com frequência os limites do tolerável. Mas certos efeitos colaterais são extraordinariamente positivos. Um deles: os documentos que pioraram o permanente mau humor de Dilma  ajudarão a contar a verdadeira história do Brasil.

Censura, por Carlos Alberto Di Franco

A síndrome da censura, por Carlos Alberto Di Franco

 

O mais recente caso de proibição judicial ao trabalho jornalístico — a proibição de que o jornal “Gazeta do Povo”, do Paraná, publique informações sobre investigações abertas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra o presidente do Tribunal de Justiça do estado, Cleyton Camargo — reacende a síndrome da censura prévia no Brasil.

A liminar garantindo que as notícias sobre as denúncias não fossem publicadas no jornal foi concedida há um mês. O desembargador, no pedido, sustenta que “os fatos em notícia (…) vieram impregnados pelo ranço odioso da mais torpe mentira”. Pediu, ainda, que as reportagens sejam banidas do portal do jornal na internet. Quer dizer: censura prévia multiplataforma. Proíbe-se a sociedade de ter acesso a informação de indiscutível interesse público.

Sem prejuízo do meu sincero respeito pelas decisões do Judiciário, a censura prévia é uma bofetada na democracia. O controle ao jornal é mais um precedente gravíssimo. É importante que a sociedade reaja. Caso contrário, a violência judicial pode se transformar em rotina.

“Nada mais nocivo que a pretensão do Estado de regular a liberdade de expressão, pois o pensamento há de ser livre, essencialmente livre. Liberdade de imprensa concerne a todos e a cada cidadão. Esta garantia básica, que resulta da liberdade de expressão do pensamento, representa um dos pilares em que repousa a ordem democrática.” São palavras do decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, um sensível defensor dos valores democráticos.

 

 

O que está em jogo, para além da garantia constitucional da liberdade de imprensa, é o direito que tem a sociedade de ser informada. É difícil imaginar que o Brasil possa superar a gravíssima crise ética, que transformou amplos setores do serviço público num exercício de cinismo e arrogância, sem ampla liberdade de imprensa e de expressão.

Além de inconstitucional, a liminar que censura o trabalho da “Gazeta do Povo” caminha na contramão do anseio de transparência no comportamento dos homens públicos que domina a sociedade brasileira. A experiência demonstra que a escassez de informação tem sido uma aliada da perpetuação da impunidade.

 

Leia a íntegra em A síndrome da censura

 

Carlos Alberto Di Franco, diretor do Departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciência Sociais – IICS e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia.

O Zorro e o Tonto

Um senador polêmico, com vestígios de inimigo, entra porta adentro da Embaixada do Brasil pedindo socorro e é prontamente acolhido. Boa tradição diplomática, fonte de prazer para quem respeita nossa história.

Um jovem diplomata, sem saber que seria extravagante, se põe a recolher indícios para encontrar uma solução, e, sem muita barganha, empresta ao caso sua reputação. Bons sinais vindos de um funcionário do Estado que sabe que trabalhar com a consciência pesada leva à má reputação. Uma decisão que tira o Brasil do isolamento regional e o repõe no destino universal da diplomacia humanitária e pacifista.

O que espanta no caso é a iniciativa do governo e a sua afeição por um valor maior do que qualquer conveniência não serem defendidas por ninguém que o apoia. Menos o diplomata que deu sequência ao ato da presidente de 8 de junho de 2012 ao conceder, de pronto, asilo ao perseguido politico, o qual o Itamaraty não soube cumprir por pressão do governo interessado em marginalizar o asilado.

 

 

Se eu fosse presidente, nomeava o garoto chanceler pela sutil capacidade de perceber que o governo boliviano estava disposto a fechar os olhos para uma saída furtiva, como se deu, e o brasileiro desejava encerrar o asilo na Embaixada, como ocorreu.

Bastava aplicar a inteligência às relações oficiais entre Estados e confiar que a transbordante amizade entre governantes não tomasse conta do discernimento político entre nações. É claro que a ação astuta do subordinado, de um posto que nossa diplomacia fez mais importante do que Washington, assusta o superior submetido a outra cadeia de comando. Assim, 110 anos depois do Tratado de Petrópolis, a noção de fronteira entre Brasil e Bolívia, não é mais geográfica, política ou jurídica.

 

Leia a íntegra em O Zorro e o Tonto

 

Paulo Delgado é sociólogo, foi deputado federal, vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados e secretário de Relações Internacionais do PT.