O Jornal da Band está veiculando, desde ontem, uma série de reportagens sobre a maconha que eu e o Victor Santos produzimos nos últimos dois meses. Sem nenhuma modéstia, quero recomendar a você que assista a esse material. Nunca a TV brasileira discutiu o problema com tanta profundidade.
Para dar cabo da tarefa, estive duas vezes no Uruguai e uma no Colorado, EUA. Fui conhecer pessoalmente os lugares em que a erva foi liberada. E fui atrás das consequências da regulação e descriminalização. Ao final, pude constatar quanto o preconceito, a desinformação e as mentiras sistemáticas podem fazer pela demonização de algo que pode ser efetivamente bom para a própria humanidade, desde que utilizado da maneira correta.
O primeiro capítulo trata da história da proibição, mostra como a legislação (elaborada em 2006) está carregada de ranços raciais. Para assistí-lo, basta clicar sobre o video acima. Agradeço se você deixar a sua opinião sobre o problema aí na área de comentários da página.
“De minha parte, estou farto de ataques: a partir de agora, processarei os caluniadores”. Com essa frase, Mino Carta, dono da revista Carta Capital, abre o último parágrafo de um texto em que, mais uma vez ,tenta se livrar da responsabilidade por textos que escreveu e orientou em Veja durante o início do seu potentado como diretor de jornalismo.
No texto, escrito em resposta a um artigo do Professor Demétrio Magnoli, Carta se gaba de ter mais autonomia sobre a o conteúdo da revista do que seus donos: “Eu gozava de notável autonomia: os donos da casa não tinham acesso à pauta e saberiam de cada edição depois da publicação, na manhã das segundas”. Mas se esquiva de toda a responsabilidade pelo apoio deslavado que a publicação, sob sua excelsa gestão, emprestou não apenas ao golpe, mas também a algumas ações do DOI-CODI e até à famigerada OBAN.
Na réplica a Magnoli, Carta, como de costume, põe o ponto inicial da história no período que se seguiu à eleição de Geisel, de 74 em diante, quando de fato Veja inicia um movimento de distanciamento do governo dos generais. Sobre tudo o que se passou no período mais obscuro e cruento da ditadura militar, Mino Carta se cala para não ter que explicar as loas que ele e a Revista Veja teceram ao regime.
A reportagem sobre a tortura que ele cita como prova de sua independência — e até mesmo repulsa — dos generais é, na verdade, um exercício explícito de sabujice. Não era a revista denunciando. Era Veja dizendo que Geisel não aceitava a tortura. Não era uma matéria sobre a tortura. Era uma matéria enaltecendo o ditador. Ainda assim, falava sobre a tortura, como de resto falavam jornais como o Estadão, que já haviam revisto sua posição explícita de apoio ao golpe em 1964.
Em sua ode a si mesmo, Carta transforma submissão em astúcia e audácia para explicar os afagos explícitos ao penúltimo general-presidente: “Tratado, porém, de forma que pretendíamos astuta, o terceiro ditador. Baseados no tom moderado do seu pronunciamento de recém-empossado, logo saímos com uma capa de chamada positiva, “O presidente não admite tortura”. Antes que uma informação, era ilação audaciosa””.
Mino Carta diz que vai processar “caluniadores” que revirarem seus textos. Aquele período da história que transcorreu entre 1964 e 1969 simplesmente não existiu na biografia do homem que se pretende o Gutemberg da ‘mídia nativa’. Escrever sobre o que ele escreveu, como fez Magnoli — e como eu mesmo fiz no começo dessa polêmica — pode transformar um escriba de boa-fé em caluniador.
Ofereço a Mino Carta este texto como matéria-prima para sua investida judicial contra os ‘detratores’ de sua biografia. Não creio que ele irá adiante na empreitada porque é ridiculamente fácil provar que Mino escreveu o que escreveu. Embora ele negue, está tudo no arquivo digital de Veja, que é público e está à disposição de todos — até dele próprio, Mino Carta, que bem poderia nos ajudar a encontrar qualquer texto de sua lavra com críticas à ditadura militar brasileira anterior à reportagem sobre a tortura .
Mino não as fez porque, como boa parte da imprensa brasileira, mudou ao longo do tempo. Enquanto os chamados ‘jornalões’ já fizeram a sua autocrítica — aliás, tão criticadas pelo ex-editor de Veja — falta a Mino grandeza para fazer o mesmo: pedir desculpas pelo que escreveu quando o Brasil mergulhava no período mais obscuro de sua história recente.
Mas não creio que Mino Carta irá fazê-lo. Porque dispõe de um pequeno exército de funcionários par defendê-lo, funcionários que, como ele mesmo diz, “chamam patrão de colega”. Não creio porque ele jamais admitiu que prestou todo tipo de apoio a Orestes Quércia, um dos mais notórios corruptos pós-64.
Não creio porque, de resto, Mino Carta continua manipulando fatos, expurgando do noticiário o que não lhe convém ou não interessa a seus patrocinadores (oficiais, quase todos). Quer um exemplo disso ? Fácil! Entre no site de Carta Capital e procure alguma coisa sobre André Vargas, o petista salafrário que se associou ao pior da burocracia e a uma rede de lavadores de dinheiro sujo para roubar o contribuinte. Não há nada, nenhuma menção ao larápio que dominou o noticiário brasileiro esta semana. Por que será ?
Para que não digam que sou injusto na crítica, há um único registro, um ‘esforço de apuração’ materializado numa referência à reportagem de capa de Época neste fim-de-semana. Só isso. É assim que se faz o jornalismo com ‘controle social’ da mídia.
A história recente está cheia de gatunos petistas apanhados com a mão na botija do erário. Gente insidiosa, que justifica seus achaques com a moral do guerrilheiro. A despeito de estarem no poder — esse André Vargas é vice-presidente da Câmara Federal — atuam nos bastidores para desmoralizar o Estado e o governo que integram.
Pois bem. André Vargas, o indecente, aquele que tem coragem suficiente para um gesto de desagravo dos mensaleiros em face do juiz que os mandou para o xilindró, é também boy de luxo do doleiro que lava o dinheiro de dez entre dez corruptos do País. E não apenas isso: é um espécie de desbravador do lobby dos canalhas que do que é público só querem a oportunidade da tunga.
Ninguém pode se empenhar tanto na defesa de bandidos com trânsito em julgado sem equiparar-se a eles no seu psiquismo. O pai cujo filho é pego traficando drogas não provoca o juiz que condenou seu rebento depois de prolatada a sentença. A mãe cuja filha foi flagrada explodindo caixas eletrônicos não se insurge contra o delegado que a prendeu em ação delitiva.
Mas André Vargas provocou ao extremo, com descortesia e soberba, o juiz que mandou seus colegas e líderes para o calabouço da Papuda. Por que tanto empenho ? Tenho um palpite: sabedor do que tem feito na intimidade da alcova, talvez esse deputado de moral tão frágil tema o ‘pegar’ da moda e tenha sido acometido por alguma antevisão aterradora de seu próprio futuro.
O que está certo num País de tantas coisas erradas é que é preciso e urgente separar políticos de ladrões. Ladrões são aqueles que tomam de assalto a política para se locupletar. Grassam em todos os partidos, mas concentram-se especialmente em legendas já testadas como cafofo de outros ladrões investidos de mandato. Ali encontram abrigo, proteção e uma equipe incrível para assessorá-los na consecução de seus golpes.
Políticos, numa democracia, são aqueles que se valem de mandato popular para trabalhar em benefício da coletividade. Se você quiser saber onde encontrar um deles, o caminho é facílimo. Vá até o Aeroporto de Cumbica, tome um avião para Montevideo. Voe duas horas e meia. Depois de aterrissar e passar pelos trâmites alfandegários, procure por um senhor chamado José Mujica, mais conhecido como Pepe Mujica.
Sabe o que tanto irrita o brasileiro médio no PT ? É essa mania crônica de alguns petistas de acharem que estão acima de tudo — da lei, da ordem, do Congresso, do Judiciário…
Onde quer que estejam, esses petistas têm um efeito corrosivo sobre as instituições. Do alto de um ministério ao inferno de uma penitenciária, lá estão eles, burlando as regras e bagunçando tudo. Como se fossem ainda guerrilheiros combatendo o sistema e o regime — mesmo onde eles são o próprio o Poder.
Na chefia da poderosa Casa Civil, José Dirceu inventou o Mensalão para amealhar o dinheiro que iria desmoralizar o Congresso. Mobilizou o PT, sujou a ficha da legenda e provocou uma guinada à direita que levou seu partido a fazer par, na galeria da história, com o finado PFL e o muito vivo PMDB, que antes eram os senhores absolutos do fisiologismo.
Agora na Papuda, os privilégios distribuídos à manada mensaleira pelo guarda-mór do presídio, o governador Agnelo Queiroz, deixam claro que eles não se vergam. Onde houver uma sinecura, ela será manietada por um petista espertalhão. Não importa que não haja comissões a amealhar, esquemas dos quais partilhar, um VISANET com o qual se locupletar. Pode ser uma refeição diferenciada, uma visita escondida, o que estiver ao alcance da mão.
Se há normas estabelecidas, há um gatuno petista pronto para desmoralizá-las. Se há uma boquinha a ser apropriada, idem ibidem. E se o chato de plantão é também um petista, não tem problema. Para estes, há um estratagema muito bem sucedido já testado em casos renitentes como o do prefeito Celso Daniel.
No futuro, esses caras serão lembrados como os vendilhões do erário, como aqueles que saíram dos sindicatos sedentos pelo butim e não mediram esforços para fazer a pilhagem antes mesmo de sacramentar a conquista. E comeram tanto melado que lambuzaram sua existência para sempre.
Para eles não existe um “perdeu, Mané!”. Eles não perdem nunca. Estão sempre ganhando, seja qual for o contexto. Ganham nas licitações, nos contratos, nas indicações, nos conchavos. Não importa o que se ganha, o importante é ganhar sempre. Ganham até quando perdem. Não tendo muito a ganhar, ganham qualquer coisa: o carro estacionado no pátio do presídio, o emprego de fachada oferecido por um laranja panamenho ou uma central sindical… Como diria o filósofo Gérson, “o importante é levar vantagem em tudo, certo ?”
Errado!
Afinal, eles estão presos, foram condenados por uma corte sequiosa por absolvê-los. A despeito de todos os privilégios, seria muito melhor estarem soltos do que engaiolados, pleiteando vantagens que só se podem auferir no porão da masmorra. Ainda que doce e leve por conta de favores sem-fim, a Papuda é o que é: um presídio.
Existe alguma vantagem real nisso ? Se existe, não é para esses bobões que estão confinados. É para os outros, que andam livres por aí, camelando e palestrando sobre as vantagens de se ter bons amigos que aceitam pagar penas em seu lugar para que os mais espertos triunfem.
Não importa que busquem — e encontrem — lucro na refeição diferenciada, no emprego fictício para enganar o juiz das execuções, no carro estacionado na pátio do presídio. São vantagens relativas ao ambiente onde tais conquistas se dão. Não são vantagens reais nem podem se sobrepor ao gozo da liberdade como um valor absoluto.
Ainda que fiquem pouco tempo, ainda que estejam confortavelmente instalados na cadeia, eles jamais poderão apagar essa mácula de sua biografia. “Perdeu, Mané!”, foi o que a sociedade brasileira disse a cada um dos mensaleiros enjaulados em Brasília.
Demorei para entender o que foi que aconteceu com a Lucélia Santos. Depois minha filha simplificou para mim: ela pegou um ônibus. Deu o maior bafafá!
Nossa! Um ônibus ?
No Brasil, rico dentro de ônibus dá manchete de jornal. Atriz da Globo vira trending topic no Twitter.
Olha só que descompasso. O sujeito que está ‘causando’ hoje em dia no planeta vive numa choupana de 45 metros quadrados coberta com chapas de alumínio. Ganhou a vida plantando rosas num mini-minifúndio de 14 hectares compartilhado com mais três famílias. Tem um cachorro de três patas. Veste uma roupa surrada. Anda de sandália de dedo.
Não é Jesus Cristo, não, irmã. Eu continuo um ateu incorrigível. Amém ?
Também não é a reencarnação de Diógenes porque ele tem um bem material: um Fusca 87 mexicano. Com 52 mil quilômetros rodados desde zero.
A mulher faz conserva de tomates fermentados no verão. Produz para o ano inteiro. Planta, poda, aduba, irriga flores. Pilota um trator. Também faz doces em calda. E o almoço quase todo dia. Apesar de ser a principal senadora da República Oriental do Uruguai.
O nome dela é Lúcia Topolansky. Micro-agricultora, senadora, primeira-dama. Tudo ao mesmo tempo.
O marido dela se chama Pepe Mujica. É o sujeito que em três anos regulou a maconha, legalizou o aborto e regulamentou o casamento homoafetivo em seu país. É mole ?
Pois se vivesse no Brasil, iriam acusar Mujica de soberba por sua humildade. O Sócrates da opinião pública para o Antístenes da política, numa das passagens da filosofia que o Fernando Mitre mais gosta: “Vejo seu orgulho pelos buracos da sua veste!”. E jamais iria conseguir se eleger presidente. As pessoas têm raiva dos comportamentos mais simples. Preferem fumar maconha escondido, fazer aborto com parteiras e permanecer no armário a salvo da ira social a aturar um riquinho esquisito metido a pobre.
Eu mesmo recebi uma série de reprimendas quando passei a andar de Metrô no ano passado. De uma hora e meia, passei a gastar apenas 35 minutos para chegar ao Morumbi, onde fica a sede da Band. Alguns amigos disseram que eu sou um sujeito esquisito demais. Para não entrar no transporte público, jogam fora duas horas de convivência diária com os filhos, ou de pura curtição dos prazeres da vida.
Bom mesmo é presidente que sai do chão de fábrica e, de cara, compra um avião. Que do começo ao fim do mandato nunca, jamais, em hipótese alguma faz o que a atriz global fez: pegar um busão. Se pegasse, uma vez que fosse, talvez tivéssemos menos susto quando alguém da classe média deixa o carro blindado em casa. E um transporte público que não fosse o lixo que é.
Da próxima vez que encontrarem Lucélia Santos num ônibus, apedrejem ela. Seu comportamento insidioso pode gerar réplicas sociais indesejáveis num país em que pequeno burguês já nasceu Napoleão Bonaparte. E tem ojeriza de pobre e de rico metido a pobre. Esse pessoal que come peru e arrota angu.
Começa assim. Rico andando de ônibus. Sei. No Brasil.
Daqui a pouco pega uma balaclava e vai protestar contra os vinte centavos.
Depois de surpreender o mundo com sua nova política de drogas, o Uruguai pode provocar uma frustração planetária ao ter que atrasar a regulamentação da lei que liberou a maconha por falta de previsão orçamentária. Isso obrigaria o governo Mujica a adiar os planos de iniciar logo o cultivo e a comercialização, que devem ser precedidos de autorizações para o plantio e do cadastramento de comerciantes e usuários em pelo menos um ano.
O problema aconteceu porque o governo não enviou ao Congresso uruguaio uma previsão dos gastos que serão necessários para a contratação de pessoal e a criação de um instituto que ficará responsável pelo cadastramento dos usuários e cultivadores, pela produção da erva e pelo registro das farmácias onde será possível comprar a maconha oficial.
Assim como o Brasil, o Uruguai adota mecanismos restritivos de controle de gastos em anos eleitorais, caso deste 2014. Esses mecanismos impedem o governo de realizar despesas e contratar servidores sem que haja previsão no orçamento. Como a lei 19.172 foi aprovada em dezembro do ano passado, não houve tempo para prever, no orçamento de 2014, o dinheiro necessário para a criação do IRCCA (Instituto de Regulación y Control de Cannabis), peça-chave da nova política.
“Aqui no Uruguai existem centenas de leis que simplesmente não são implementadas pela mesma razão, a falta de racionalidade”, diz o deputado Jorge Gandini, do Partido Nacional, que faz oposição ao governo Mujica e também à nova política de drogas.
Gandini explica que, para que a lei passe a vigorar, o governo precisa apenas baixar alguns decretos determinando as providências que entende necessária para fazer a engrenagem funcionar. “Mas tudo deve ser feito de acordo com a Constituição, que impede a contratação de gastos sem previsão orçamentária”, comemora o opositor, que vê na nova lei de drogas um risco para a segurança.
A própria lei estabelece um prazo fatal para a regulamentação: 2 de Abril próximo. “Não sabemos que providências o Presidente vai tomar, está tudo muito obscuro”, diz Gandini.
Não há mesmo nada muito diferente do Brasil aqui no Uruguai. A lei de drogas efetivamente não tornou a maconha mais popular nem socialmente aceita. Ontem mesmo, para entrevistar um consumidor, tive que dar um jeito de esconder o rosto dele. A preocupação do rapaz era com o patrão e os chefes. Disse que, se fosse identificado nas imagens, poderia ficar sem o emprego. Muita gente não contrataria um maconheiro no primeiro País do planeta a ter uma política de regulação libertária.
Ontem eu havia dito para vocês que o clima aqui está longe, muito longe do liberou-geral de Woodstock. Não é porque será vendida em farmácias e poderá ser livremente consumida por qualquer cidadão com mais de 18 anos de idade que a maconha se transformou na queridinha dos almoços dominicais em família. Não. Um dos mais exaltados ativistas da época das Marchas da Maconha em Montevideo (houve só duas) não tem coragem de desfilar pelas ruas do povoado onde nasceu, perto da fronteira com o Brasil, com um baseado na boca. “Minha família não toleraria. Meu pai poderia ter um enfarte se me visse fumando um ‘porro'”, que é como chamam o cigarro de maconha aqui. “Sou livre, mas não sou doido de afrontar os velhos”, disse ele.
Só para esclarecer. A regulamentação da lei de drogas ainda está pendente. Os uruguaios vivem numa espécie de limbo jurídico que vai durar até o dia 2 de abril, quando termina o prazo para que o governo baixe a legislação ordinária, os decretos e portarias que vão estabelecer quem vai produzir a erva e como os uruguaios vão ter acesso a ela. A lei só vai vigorar plenamente em meados de julho. Na prática, no entanto, ninguém mais vai preso por fumar ou por manter até seis plantas em casa. Mais do que isso a polícia confisca (porque ainda não há previsão legal para o cadastro dos cultivadores, que a nova legislação exige). A fonte de marihuana ainda é o narcotráfico e praticamente toda a erva é contrabandeada do Paraguai, exatamente como no Brasil.
Não aposte numa relação pacífica entre os maconheiros e seu guru, o presidente Mujica. Ele não gosta de quem fuma — costuma chamar os usuários de “estúpidos”, o que muitas vezes coloca a equipe de assessores afinados com os ativistas em situação delicada. Mujica deixa claro o tempo todo que não quer transformar o Uruguai numa narco-república nem passar para a história como o presidente do liberou-geral. Ao contrário, quer é se livrar do tráfico internacional de drogas — um ótimo motivo, aliás, para passar por cima das cismas seculares o tolerar minimamente o fumacê.
Estou em Montevideo para produzir uma série de reportagens sobre a descriminalização da maconha neste País. Cheguei ontem à tarde. E, de cara, fiquei espantado: apesar da milhares pessoas que esperavam o por-do-sol na Rambla, a avenida à beira do Rio da Prata, não havia aqui um clima de Woodstock, como eu esperava.
Vi apenas um casal fumando um baseado na sacada de um apartamento que fica bem em frente à janela do meu quarto de hotel. Ninguém mais. Há mais cheiro da erva no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, numa tarde de domingo, do que havia ontem na capital do Uruguai.
Aprendi pouco até aqui, mas entendi que algo descriminalizado é diferente de algo bem-vindo, aceito ou recomendado socialmente. Talvez resida nisso a esperança de sucesso da estratégia arriscada que o País adotou para tentar vencer o narcotráfico utilizando contra ele as duras leis do mercado e da competição. Agora que retirou a maconha do limbo da ilegalidade, o Uruguai vai poder tratar seus doentes e tentar convencer os que estão saudáveis de que é feio fumar maconha. Como aconteceu com o cigarro no Brasil, que hoje tem metade dos usuários de duas décadas atrás.
Conversei com algumas pessoas nas ruas para saber a opinião delas sobre a nova política para as drogas. É evidente a divisão que o tema provoca. Encontrei pessoas céticas, outras otimistas, mas ninguém apavorado com a maconha livre. Talvez a população tenha entendido a mensagem do presidente Mujica: não é a ressurreição da contracultura, como disse ele ontem a O Globo. É uma medida extrema para conter o avanço do crime organizado.
Veja só que diferença entre o que acontece aqui e o que vai na cabeça dos governantes brasileiros. Em um único ano o Uruguai resolveu o problema do aborto, da maconha e do casamento gay. A adequação a este momento delicado da história, pautado pela fragmentação das identidades sociais e pela valorização das pautas contra-hegemônicas, vai construindo um novo País.
Enquanto isso, o narcotráfico continua corroendo as instituições e desafiando o Estado onde líderes covardes aguardam a aposentadoria para lamentar o que não fizeram a respeito do assunto. Caso clássico do Brasil de FHC e dos EUA de Bill Clinton.
Para encerrar este post, ressalto o abismo estatístico que existe entre o Brasil e Uruguai quando o assunto é o estrago provocado pela criminalidade no bem mais importante que o Estado tutela, a vida. Aqui no Uruguai os crimes de morte acontecem numa proporção de 5,9 casos para cada 100 mil habitantes. No Brasil, são 21 mortes violentas entre 100 mil habitantes.
Falei aqui ontem sobre a minha desconfiança de que pelo menos parte da carnificina que grassa nas rodovias paulistas se deve á incúria dos responsáveis pelo patrulhamento preventivo — portanto, à Secretaria de Segurança Pública e ao governador Geraldo Alckmin.
Só neste carnaval houve 37 mortes, número que não se registrava desde 2010. Acho que isso está em linha com a redução das ações de fiscalização da chamada Lei Seca para uma fração do que tínhamos no começo da década. Uma coisa é consequência da outra.
Antes de publicar o texto, entrei em contato com a assessoria de imprensa da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Solicitei que me confirmassem o número de blitze, se possível a série histórica. A resposta só veio muito mais tarde, muitas horas depois que fiz a publicação. E trouxe ainda mais elementos para reforçar minha convicção.
A PMSP não consegue confirmar nem desmentir os números que circularam nos jornais dos últimos dias. Eles dão conta de que houve apenas 70 blitze no ano passado, o que representaria uma redução de 75% em relação a 2012, quando teriam sido feitas 277 operações. Não consegue confirmar porque, de acordo com a assessoria, “não é possível informar o número de Blitzes (SIC) realizadas”.
Em contrapartida, me enviaram um dado muito mais substancioso e importante: uma tabela com a série histórica de ocorrências em que motoristas foram submetidos ao teste do bafômetro desde 2009. Esses números são muito mais eloquentes do que os que vinham sendo tratados anteriormente.
O que essa tabela revela ? Ela mostra o número de cidadãos fiscalizados na capital, no interior e nas estradas do estado ao longo dos últimos cinco anos. Em 2009, ano seguinte à promulgação da primeira versão da Lei Seca, quase 222 mil motoristas foram submetidos ao bafômetro. Em apenas dois anos, esse número chegou a quase 950 mil testes aplicados — um crescimento vertiginoso de quase 430%.
Mais vertiginosa do que essa ascendente incrível, só mesmo a queda livre do ano seguinte. Depois de tangenciar um milhão em 2012, apenas 12.989 motoristas foram submetidos ao bafômetro em 2013. A queda foi de inacreditáveis 98,63%. Para que você possa dimensionar com mais precisão o que isso representa, pense que a mesma PM aplicou 73 vezes mais testes do bafômetro em 2012 do que em 2013. Há algo que justifique ou explique isso ?
Pode haver sim. Por exemplo, um erro da assessoria de imprensa. Um erro das estatísticas (nunca ouvi falar que eles erraram para mais, só para menos). Mas teria que ser um erro grosseiro demais em uma informação estratégica (pelo menos do ponto de vista presumível do marketing político), que demandou mais de onze horas para ser liberada.
Agora vamos à comparação com alguns números do Rio de Janeiro, estado que faz os paulistanos morrerem de vergonha em relação à seriedade com que a tal Lei Seca é tratada. Repare que neste ano, até o dia de ontem (6 de fevereiro), foram aplicados 8773 testes em São Paulo. Em todo este ano, reparou ? Pois só no carnaval a Operação Lei Seca fluminense abordou 85% disso no Rio de Janeiro. Em apenas seis dias!
Será que o Romário teria pago o mico que pagou se estivesse dirigindo bêbado em São Paulo? Ele foi flagrado, multado e teve a carteira apreendida em pleno carnaval do Rio de Janeiro pela Operação Lei Seca. Deve estar morrendo de inveja dos colegas de São Paulo, que podem entornar o caneco à vontade certos de que ninguém vai incomodá-los no trânsito. E não se pode dizer que a imunidade ao bafômetro é privilégio de deputados e senadores.
Nem a enganação. Se você não acredita, acompanhe meu raciocínio.
Em plena carnificina momesca, a Secretaria de Segurança Pública solta um release que é um primor de desfaçatez. Um print de página está aqui ao lado. Se você clicar nele, vai lê-lo dentro do site da SSP. Veja a manchete: “Número de mortes diminui nas rodovias sob concessão no carnaval deste ano”. A única verdade absoluta que esse texto expressa não está contida em nenhuma declaração literal. É a de que talvez o problema esteja nas estradas que o governo administra diretamente, e não naquelas cuja administração foi entregue à iniciativa privada.
A locução “Lei Seca” não é muito popular no site oficial do governo paulista. Entre no portal e digite “Lei Seca”no mecanismo de busca para ver o que acontece. Eu já fiz isso para você e o resultado está aqui, se te interessar. A pesquisa retorna 79 documentos entre textos, videos, fotos, discursos etc. O mais recente é um press-release sobre uma operação chamada “Direção Segura”. Data de 5 de julho do ano passado, na antevéspera do feriadão da Revolução Constitucionalista. Isso foi há oito meses. O post informava que a Polícia Rodoviária iria flagrar os embriagados ao volante com “300 novos bafômetros”. Não se sabe o que foi feito com tantos bafômetros. Mas nunca mais os assessores de imprensa do governo escreveram uma nota sequer sobre o assunto.
A propósito, a palavra ‘bafômetro’ também não é muito popular no portal do governo. A última vez que figurou em algum comunicado à imprensa foi justamente nesse, velhinho de oito meses, onde se noticia a tal operação dos trezentos bafômetros.
O que foi feito das blitze da Lei Seca em São Paulo ? Elas simplesmente desapareceram, fazendo com que o número de acidentes, mortos e feridos nas rodovias crescesse vertiginosamente nos últimos meses. E por que isso está acontecendo ? A resposta é bem simples: é graças à desastrosa política de segurança pública do governador Geraldo Alckmin, que simplesmente jogou fora um instrumento cujo advento representou uma conquista de anos para o cidadão brasileiro, a lei que pune severamente a condução de veículos por motoristas embriagados.
As estatísticas divulgadas hoje deixam claro: com menos blitze, ou com blitze quase inexistentes, os motoristas se sentiram à vontade para voltar a dirigir bêbados. E voltaram a matar. Os números não deixam dúvidas. Este carnaval foi uma carnificina. Não havia tantos mortos em acidentes desde 2010. Pelo menos 37 pessoas perderam a vida no alalaô do trânsito liberado para os beberrões — um terço a mais do que no ano passado.
A Polícia Militar tenta engabelar os cidadãos atribuindo a culpa por esse aumento vertiginoso à imprudência dos atropelados e à vulnerabilidade dos motociclistas. Antes de formular essa desculpa estapafúrdia, que culpa as vítimas por sua própria desídia, a PM e a SSP deveriam ter em conta que o cidadão, que não é tão opaco mentalmente como pretende o governo tucano, percebe com nitidez a falta das operações. Pense bem: quanta vezes você, que vive na cidade de São Paulo, foi parado em uma blitz e obrigado a soprar o bafômetro no ano passado ?
Agora veja a foto aí em cima. Ela mostra um quadro que o carioca — note bem, o carioca — conhece muito bem. As blitze da Lei Seca no Rio de Janeiro mantêm a mesma frequência de antes. São feitas com estardalhaço. Onde há uma blitz há balões iluminados, barracas e uma grande exposição do logotipo que caracteriza esse tipo de ação. Tudo feito para que o motorista saiba que não vai ficar impune caso seja flagrado dirigindo embriagado. Diferentemente do quadro verificado em São Paulo, no Rio as autoridades não precisam ficar culpando os mortos pelos acidentes de que foram vítimas para justificar sua inação. Elas simplesmente agem — enquanto os subordinados de Alckmin cochilam. Uma vergonha para o estado mais rico da federação.
A política de segurança pública sempre foi o calcanhar de Aquiles do governo Alckmin. Truculento demais em alguns momentos, tíbio e fraco na maioria dos demais, o governador, com sua sucessão de erros, já provocou a reversão de alguns indicadores que seus antecessores fizeram despencar com racionalidade e muito trabalho no passado. Se há algo que o paulistano médio deve a esse governo é justamente a sensação de insegurança que o aumento da criminalidade — evidente demais para não ser percebido — provoca em todas as camadas da população.
A inépcia do governo custa caríssimo à população. Estamos falando de vidas humanas que, como demostrou o entusiasmo com os primeiros resultados produzidos pela Lei Seca, deixam de se perder quando há uma fiscalização efetiva. A incúria das autoridades repercute de maneira funesta na vida das pessoas. Não há como não inferir que a redução do número de operações (foram 227 em 2012 contra apenas 70 no ano passado) não tenha relação direta com o aumento do número de acidentes e de vítimas.
O governador do estado já deveria ter aprendido a calibrar suas ações na área de segurança. Mas, pelo que revelam as estatísticas (das causas e dos efeitos), ou não aprendeu, ou carece de competência para tratar do problema. Talvez lhe falte ainda uma lição: a que o eleitor ministra na urna, no momento de sufragar o nome daquele que vai gerir seu destino.