Dilma e o jogral do Itaquerão

Quero dar um palpite nessa história da vaia à presidente Dilma. 

Foi muito feio ouvir aqueles palavrões. Não sou moralista, muito menos pudico. Mas acho que uma boa vaia teria sido suficiente e razoável. O mundo todo iria entender. Mais do que isso é apenas excesso,  falta de educação, civilidade e civismo.

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Mas também não vou embarcar nessa campanha dos blogs pagos para tentar vitimizar a presidente e tirar alguma vantagem eleitoral. Pelo simples fato de que não há proveito possível nesse episódio.

Apesar do linguajar grosseiro,  há que se considerar o ‘locus’ do fato, um estádio de futebol. É evidente que ele está contaminado pelo jargão das torcidas. Os estádios, aliás, se transformaram em fontes importante de bordões políticos no último ano. Neles, os manifestantes de junho de 2013 foram buscar as palavras de ordem para animara os protestos. Muitos dos corinhos eram apenas palavrões cadenciados em sequência.

Voltando ao ponto. Foi feio o que fizeram com a presidente ? Foi. Grosseiro demais. Desnecessário.

Mas também não foi o chute na santa que estão querendo pintar na ala mercenária da internet. Longe disso. Foi uma manifestação política. Tosca, mas foi. Grosseira. Aposto que ninguém ficou pensando naquele órgãozinho do sistema excretor quando ouviu o jogral do Itaquerão. Na essência, aquilo foi um ato político, ainda que escatologicamente embalado.

Está na cara que algo não está funcionando bem na estratégia do governo. Quando em 2007 Lula trouxe a Copa para o Brasil, certamente imaginou que as câmeras mostrariam o coroamento de seu projeto de País. Três bilhões de pessoas ao redor do mundo veriam o Brasil resiliente e virtuoso, operário, sindicalista, meio bolivariano, que resiste a todas as marolas sem se deixar abater. E os pobres lindíssimos com suas motocicletas e tevês de plasma. E os índios catequizados, e os metroviários amistosos, os movimentos sociais lobotomizados e os policiais federais satisfeitíssíssimos.

Só que… foi [quase] tudo ao contrário!

Lula ficou escondido. Não foi nem ver o Brasil jogar na abertura da Copa que ele armou, na arena que ele mandou construir para seu time de devoção. E Dilma, escondida ao máximo do público por sua assessoria, mas não o suficiente, teve que pagar a conta sozinha. É justo ? 

A presidente Dilma tem razão quando diz que aí estão os aeroportos e os estádios. Estão mesmo. Os estádio estão todos os dias na televisão. Custaram uma fortuna, mas funcionaram. Não estou coonestando o rouba-mas-faz. Mas a Copa está rolando. Animadíssima. Se terá ou não o condão de fazer esquecer a roubalheira, é outra história. Espero que não.

Quanto aos aeroportos, eles realmente reduziram muito o desconforto dos passageiros. Passei por dois deles, Cumbica e Brasília. Não estão totalmente prontos, mas estão funcionando. A ampliação conseguiu evitar algo importante: até agora, pelo menos, não houve o colapso aeroportuário que os céticos davam como inevitável.

Bom, tudo isso para dizer que o público tem muitas razões para reclamar do governo da Dilma. Ela vai ficar devendo um monte de coisas, que vão da prometida faxina ética que não houve  ao crescimento ridículo da economia. Valia mesmo uma boa vaia na primeira oportunidade.Dados o lugar e as circunstâncias, vaiar, apenas vaiar, já não teria sido coisa de pouca importância.

Mais do que isso, puro exagero.

 

Em defesa da Monica Waldvogel, contra a falácia de Vladimir Safatle, por Sérgio Leo

Antes de tudo, deixo claro que gosto muito do Vladimir Safatle, e considero a leitura de seus artigos mais que necessária, prazerosa. Uma das vozes indispensáveis no debate público brasileiro. Tem uma posição clara, e uma pretensão explícita: ao lançar seu nome como candidato do PSOL em São Paulo, mais que ganhar eleição, quer garantir espaço na arena política. Legítimo e justo. Adoraria se amigo dele. Que, ainda por cima, é doutor em Lacan. E inteligente e erudito como nunca serei.

Ele, em entrevista na Globonews, repetiu argumento comum nas redes sociais: a imprensa deu destaque à morte do cinegrafista, por um rojão atirado por um militante, e desprezou as outras várias mortes causadas nas manifestações pela polícia. Nessa contabilidade, inclui pessoas mortas quando tentavam escapar da confusão, uma mulher que teve ataque cardíaco quando sentiu as bombas de gás, um garoto atropelado por um taxi, um senhor que caiu do viaduto.

Para quem não segue a linha de raciocínio de Vladimir e seus companheiros, a falácia é evidente, embora seja muito mais difícil denunciá-la inequivocamente, sem correr o risco de parecer que se defende a brutalidade e incompetência policial. Minha amiga Mônica Waldvogel, que teve a honestidade jornalística de chamar Vladimir para a entrevista e dar a ele condições de explicar com liberdade suas posições e argumentos, tentou rebater essa falácia, e não foi feliz. Bastou a tentativa para ser demonizada nas redes sociais, pelos que só veem más intenções em todo esforço jornalístico.

Está aí a falácia de Vladimir Safatle (e não só ele): dizer que é erro ir a fundo no caso Santiago porque não se fez isso na violência policial é o mesmo que impedir apuração contra os “justiceiros” da Zona Sul enquanto não reprimir a onda de assaltos no Aterro do Flamengo. Monica, que conheço há anos e é uma jornalista competente e sensível, pressionada pelas limitações de tempo e profundidade da entrevista ao vivo, investida do papel de provocador, não de antagonista, atrapalhou-se na hora de inquirir o Vladimir. O que bastou para a claque de sempre nas redes sociais a atacar.

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A questão é que a polícia é autorizada pelo contrato social a exercer a violência, se necessário for, para manter a ordem pública. E só ela. E com limites claros.  Os demais cidadãos, ao notar o abuso desse poder de polícia, podem e devem recorrer às outras instituições da democracia, o Judiciário, a corregedoria, os políticos. Se as instituições não funcionam, a (grande) política está aí para o esforço de mudá-las, o Judiciário deve ser pressionado legitimamente, os órgãos públicos lenientes, denunciados.

Quem, na ausência de resultado das ações contra a violência policial, defende que cada cidadão faça justiça pelas próprias  mãos, jogando pedras, rojões e coquetéis molotov nos policiais ou em quem estiver perto, está seguindo a mesma cartilha preconizada pelos neo-integralistas da linha Rachel Sheherazade: o Estado não nos atende, os cidadãos de bem têm o direito de agir por conta própria,violentamente se julgarem necessário, contra a violência que os ameaça.

Nem todo cidadão ferido ou coisa pior em um tumulto resultante do confronto entre policiais e manifestantes é vítima da violência que partiu da polícia. Há que se apurar cada caso, cada circunstância e, seguramente, as mortes causadas pelo despreparo da polícia não são todas as que lhe atribuem agora. As outras, das vítimas da polícia, devem ser apuradas e determinada punição aos responsáveis.

A morte de Santiago tem, sim, caráter diferente, porque não decorre do despreparo ou brutalidade dos agentes públicos encarregados pela sociedade de atender às ordens de governos legitimamente eleitos. É consequência da ação voluntarista de cidadãos que julgaram legítimo acionar um artefato explosivo, letal, para combater o que consideram violência do Estado. Nem sequer se assumem como grupo, ou partido, ou qualquer instituição capaz de substituir a ordem vigente por outra mais inclusiva. Defendem que, pela violência, obrigarão o Estado a reconhecer suas reivindicações (vagas, difusas) e isso mudará o status quo. Condenar os autores da morte de Santiago é condenar esse modo de ação violento e descontrolado que quer se fazer passar por alternativa às soluções democráticas existentes

Os disparados de rojão mudaram, de fato, o status quo da família de Santiago, que perdeu o pai e marido. Dos jornalistas, que se consideram alvo dos manifestantes radicalizados convencidos de que a “mídia” é composta por canalhas e inimigos da população. E do governo, independentemente da filiação partidária, que se vê obrigado a descobrir uma forma de evitar que se repita o assassinato ou a destruição de bens públicos e privados, em escala maior ou em outras circunstâncias politicamente mais delicadas. Mudou também o status quo da direita e outros oportunistas de corte autoritário, que ganharam aliados para bradar por leis repressivas mais severas, argumentando que a anarquia das manifestações mata inocentes e pode levar ao descontrole social.

Nada reduz a necessidade de cobrar da imprensa uma atenção maior às consequências da violência policial. A dependência dos repórteres em relação a informações do governo, a relação às vezes espúria entre certos jornalistas e policiais, a constatação de que muitos manifestantes defendem abertamente a destruição de bens públicos e privados como forma de protesto legítimo, tudo isso contribui para diminuir o empenho da imprensa em ir mais a fundo na cobrança de investigações e responsabilização dos culpados na polícia.  Erro grave, que deve  ser cobrado.

Mas nada disso faz com que seja menos necessário investigar e cobrar independentemente as responsabilidades no caso do cinegrafista morto. Até porque há muita gente que não vê mal no que houve, chama a morte de “acidente” e anuncia a intenção de prosseguir com respostas violentas à ação do Estado e até mesmo à decisão de prosseguir com a realização da Copa do Mundo. Uma coisa, urgente e necessária, é exigir mais eficiência e responsabilidade do aparelho do Estado, o que vem sendo feito e pode ser feito com mais ênfase. Outra é condenar o voluntarismo e irresponsabilidade de quem romantiza a violência pretensamente revolucionária, sem atentar para suas consequências, dificilmente positivas na conjuntura política que vivemos.

É a outra ponta da falácia de Vladimir (e não só ele): aceitar a crítica de que a imprensa, antes de falar de Santiago, deveria ter falado da polícia, é aceitar como legítima a resposta violenta e individual ao desconforto com a ineficiência e violência do Estado. Isso dá em Black bloc. Mas também dá nos justiceiros do Flamengo. Duas faces reacionárias e anti-democráticas da mesma moeda podre. Como certamente quis mostrar a Mônica, que entrou nessa história como jornalista, disposta a esclarecer, não polemizar, sem a disposição retórica de militante.

Estou contigo Mônica Waldvogel, Sei como é cruel tentar abrir espaço ao entrevistado e ser alvo de más interpretações de quem confunde entrevista com disputa política.

Leia o original no blog do Sérgio Leo

Carta aberta à minha pequena, por Victor Sá

Minha pequena,

Enquanto você está sendo preparada aí na barriga da mamãe, o mundo aqui fora está bastante dodói.

Daquelas doenças que não sabemos se é melhor desejar a morte e consequentemente o alívio, ou lutar enfrentando as possíveis sequelas e dores. Eu não queria ser obrigado, pequena, a te dizer essas coisas tão cedo. Mas temo que quando você sair daí se assuste com tanta mesquinharia e queira voltar. Preciso te preparar, minha filha.

Olha, meu amor, a vida aqui não tá fácil, mas se você odiar muito, prometo que podemos fugir pro Uruguai, tá? Promessa viu?

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Eu sei que você não pediu pra nascer. Mamãe e eu que inventamos essa história e por isso mesmo, queria conseguir mudar o mundo nesses próximos 4 meses que faltam até você estar pronta. Mas, pequena, você tem que saber logo de cara: Eu não sou um super-herói. Papai não consegue mudar o mundo. O que não quer dizer que desistirei, viu? Cê vai me ajudar nessa, lindinha.

Mas ó, pra você não se assustar já te aviso: Você vai vir pra um lugar onde tem gente que defende tortura, preconceito, machismo, segregação, racismo, e mais um monte de coisa ruim. Inclusive, tem gente que defende isso na televisão! É, televisão é onde o papai trabalha. E eu juro que tento entender o tamanho disso e ser sempre ético. Ah, aproveito pra prometer, desde já, não te usar pra justificar escolhas cretinas, tá?

Esse ano começou muito difícil, meu amor. Parece que o pior das pessoas está na moda. Já rolaram várias tragédias. Semana passada, um cinegrafista morreu trabalhando filmando uma manifestação. Assim como o papai, ele trabalhava na televisão. Foi um acidente muito trágico e triste. Sabe, amor, coisas ruins podem acontecer com pessoas boas. São mistérios da vida que nunca conseguiremos aceitar por completo e muito menos entender. Às vezes, o caminho é chorar a valer. Isso é importante você saber: Chorar, se permitir sentir, é sempre um caminho louvável, sabe? Eu pelo menos acho e tento fazer assim. A vida é difícil pra caramba, amor. Mas estaremos juntos.

Bom, o homem que morreu era um cara muito bem quisto por todo mundo. Papai não o conheceu, mas viu que todo mundo ficou bem triste e gostava demais dele – A tristeza nesses casos é super normal, viu? Não tenha medo da tristeza, ela também faz parte das coisas bonitas da vida (depois tento explicar isso melhor) – O problema, é que uma gente má intencionada quer se aproveitar do acidente. Uns políticos sujos querem aproveitar o momento de dor e aprovar leis que vão contra nossos sonhos, meu amor. Querem transformar jovens corações libertários em terroristas. Esses políticos morrem de medo da liberdade. Nada os amedronta mais que nossos sonhos, pequena, por isso eles querem prender todo mundo que pensa e luta. Ano passado, meu amor, o titio Pedrão foi preso, acredita? Por sorte, essa lei maluca não existia e todo mundo percebeu que o tio Drão é um dos caras mais legais do mundo e ele tá solto agora. Ufa, né amor?

Nessa onda oportunista, alguns veículos da imprensa tentaram transformar os movimentos sociais e partidos de esquerda em criminosos! Olha que absurdo, pegaram um dos poucos políticos sérios e inventaram uma “não-notícia” sobre ele. Tão absurdo que até virou piada: #ligaçãocomfreixo é uma hashtag que tá bombando. Mas não vou explicar o que é hashtag, isso cê vai sacar rápido.

E no meio disso tudo, tem uma coisa chamada “opinião pública”, meu amor. Nossa, quanta gente burra você vai conhecer na sua vida. Ó, tem um negócio aqui chamado facebook. Papai perde muito mais tempo que deveria nele. E lá aparecem pessoas que você podia jurar que eram normais, e até bacanas, mas do nada escrevem defendendo a pena de morte (!), falam burrices como “direitos humanos pra humanos direitos”, “bandido bom é bandido morto” “que se Deus gostasse de gays não teria feito o homem e a mulher”, “feminismo é o contrário de machismo”, “adote um marginal”. Eu não sei explicar esse fenômeno. Mas sinceramente te recomendo distância desse tipo de gente. De verdade. Sabe, é difícil, eles estão em tudo que é canto. E às vezes é só ignorância e vale a pena conversar, discutir, e todos crescerem com o debate. Só que tem casos que, realmente, não quero você se relacionando com esse tipo de ser humano. Eu juro que não sei se eles são burros ou mal intencionados, mas em todo caso, acho melhor você evita-los. Pelo menos até uma certa idade, amor. Depois você pode se aventurar em debater com eles. Mas por enquanto, acho mais seguro andar com quem acredita no amor, na liberdade, na tolerância , como papai e mamãe, tá? (Mamãe tá aqui do lado lembrando que você pode contar também com o titio Matheus. Além dele sempre escrever sobre os “Almeidinhas” da opinião pública, ele já fez um irmãozinho/amiguinho, o Miguel, afilhado da mamãe)

Na real, é simples, se a pessoa começar qualquer frase com “não sou preconceituoso, mas…” você nem precisa ouvir. Juro, isso vai te poupar muito tempo.

Nesse mesmo ano, a polícia já matou gente inocente, amor. Eles fazem isso, pequena. A explicação é longa, vem de lá trás quando o país era dominado pelos militares. Uns caras muito malvados que acreditavam em conceitos doentios como hierarquia e tortura. Nós aqui em casa somos contra as duas coisas, tá? Bom, além disso, o pessoal da polícia é super mal treinado, mal pago e mais um monte de coisa. Vou te explicar melhor um dia. E não é que papai odeia policial. Não é isso de jeito nenhum! Mas muitos deles (não todos) já fizeram muito mal pra muitos amiguinhos do papai. Por exemplo, quando eu e o titio Filé tínhamos 13 anos, quase levaram ele. O tio Filé conta que soltaram ele porque ele é loirinho e branco, mas que o rapaz ao lado, negro, foi bastante espancado. Era nossa primeira passeata. Mas, amor, não podemos alimentar esse sentimento de ódio contra eles, tá? Policial é trabalhador, nós não podemos nunca estar contra os trabalhadores. O que defendemos, pequena, é uma polícia que não seja militar. Que seja bem remunerada, bem humorada, inteligente e que sirva e proteja a gente. É isso que defendemos aqui, tá? Uma polícia amorosa. (eu até mudaria o nome de polícia pra “amigões”, imagina? “Problemas? – Chame os amigões!”) Mas infelizmente, minha filha, isso é distante de nossa realidade. E olha que somos brancos de classe média alta. Para quem não é nenhuma dessas duas coisas, é bem pior. É, amor, tem isso também.

Você vai achar estranho só o tio Heitor ser negro entre seus titios. Bom, é triste, mas é isso. Estudei em um colégio pago com inclinações fascistas sem nenhum coleguinha negro. E na faculdade tinham apenas dois ou três negros na sala do papai. Um deles é o nosso querido titio Heitor. Aliás, além de negro ele é gay. E nós amamos ele demais, viu? Pra explicar isso é bem difícil, mas bem pouco tempo atrás os negros eram tratados como escravos. Eu não vivi isso, faz tempo, mas não tanto tempo quanto gostaríamos. Depois de muita luta, isso mudou. Mas infelizmente, o preconceito e algumas ideias daquela época continuam. Essa será mais uma luta nossa viu, amor? E uma dica, se alguém negar que existe isso, se te falarem que não existe racismo, saiba, essa pessoa provavelmente é racista. (é só uma dica, mas cê vai perceber que funciona quase sempre)

Outra coisa, tem gente aqui que acha engraçado tirar sarro, humilhar minorias e reforçar preconceitos. Eles chamam isso de “humor politicamente incorreto”. Eu sei, é uma coisa louca que não faz sentido nenhum. Imagina, “incorreto” jogar o jogo dos poderosos e se posicionar com a maioria? Sim, pequena, eles são maioria. Mas fica calma. Nós somos sonhadores, e não somos os únicos. O tio John Lennon me ensinou e eu vou ensinar você.

Se o mundo não é o lugar ideal pra te trazer, com certeza, ele será um lugar melhor com sua chegada.

Amor e beijos anárquicos,

Papai.

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Freixo outra vez, por Caetano Veloso

Gosto de Freixo não porque ele é do PSOL. Acho que gosto um tanto do PSOL por ele abrigar Freixo. Sou independente, conforme se vê. Ser estrela é bem fácil. Nada importam as piadas dos articulistas reacionários que classificam minhas posições como Radical Chic. Desprezo a tirada de Tom Wolfe desde o nascedouro. Antigamente tentavam me incluir na chamada esquerda festiva. Isso sim, embora incorreto, me agradava: a expressão brasileira é muito mais alegre, aberta e democrática do que a de Wolfe. Mas tenho vivido para desmontar o esquema que exige adesão automática às ideologias da moda. Deploro o resultado das revoluções comunistas. Todas. E, considerando o Terror que se seguiu a 1789, sou cético quanto a revoluções em geral.

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Na maioria das vezes, a violência se dá, não para fazer a história humana caminhar, mas para estancar seu fluxo. Olho com desconfiança os moços que entram em transe narcisista ao quebrar vidros crendo que desfazem a trama dos poderes. Ainda hoje não consigo adotar a posição que considera Eduardo Gianetti, um liberal crítico, ou André Lara Rezende, o homem que põe em discussão o crescimento permanente, conservadores. Nem acho que o conservadorismo seja necessariamente um mal. A adesão de alguns colegas meus à nova direita me deixa nauseado, não por ser à direita, mas por ser automática.

Simplesmente me pergunto qual exatamente será a intenção do GLOBO ao estampar manchetes e editoriais induzindo seus leitores a ligarem Marcelo Freixo aos rapazes que lançaram o rojão que matou Santiago Andrade. A matéria publicada no dia em que saiu a chamada de capa com o nome do deputado era uma não notícia. Nela, a mãe de Fábio Raposo, o rapaz que entregou o foguete a Caio Souza, é citada dizendo acreditar que o filho “tem algum tipo de ligação com Freixo”. Isso em resposta a uma possível declaração do advogado Jonas Tadeu Nunes, que, por sua vez, partiu de uma suposta fala da ativista apelidada Sininho. O GLOBO diz que esta nega. Como então virou manchete a revelação da possível ligação entre o deputado e os rapazes envolvidos no trágico episódio? Eu esperaria mais seriedade no trato de assunto tão grave.

Li o artigo do grande Jânio de Freitas em que ele defende a tese de intenção deliberada de assassinar um jornalista, o que está em desacordo com as imagens exibidas na GloboNews. Sem falar na entrevista do fotógrafo, que afirma que o detonador do artefato tinha mirado os policiais. Claro que me lembrei, ao ver a primeira reportagem na GloboNews, dos carros de emissoras de TV incendiados durante as manifestações, o que me levou a participar da indignação dos âncoras do noticioso. Um vínculo simbólico entre aquelas demonstrações de antipatia e o ocorrido em frente à Central é óbvio: um rojão sai das mãos de um manifestante e atinge a cabeça de um jornalista. Mas parece-me abusivo ver nisso o propósito de matar o repórter. Nas matérias que se seguiram, O GLOBO, ecoando falas do advogado Jonas Tadeu, que diz não ser pago por ninguém para defender os dois réus mas conta que um deles diz receber dinheiro para ir às manifestações, insiste em lançar suspeita sobre Freixo, por ser o PSOL, seu partido, um possível doador do alegado dinheiro. Na verdade, as declarações do advogado, mesmo nas páginas do GLOBO, soam inconvincentes. O mesmo Jânio de Freitas, em artigo posterior àquele em que defende a tese de assassinato deliberado, se mostra desconfortável com o comportamento de Jonas Tadeu. Já O GLOBO, no qual detecto uma sinistra euforia por poder atacar um político que aparentemente ameaça interesses não explicitados, trata as falas de Tadeu sem crítica. Uma das manchetes se refere a vereadores do PSOL que teriam contribuído para uma ação na Cinelândia, na véspera de Natal, sugerindo ligação do partido com vândalos, quando se tratava de caridade com moradores de rua. O tom usado no GLOBO é, para mim, de profundo desrespeito pela morte de Santiago.

Freixo, em fala firme ao jornal, desmente qualquer ligação com os dois rapazes. Ele também lembra (assim como faz Jânio) que Jonas Tadeu representou o miliciano Natalino.

Quando Freixo era candidato a prefeito, escrevi artigo elogioso sobre ele. O jornal fez uma chamada de capa que, a meu ver, desqualificava meu texto. Manifestei minha indignação. A pessoa do jornal que dialogava comigo me assegurou não ter havido pressão dos chefes. Acreditei. Agora não posso deixar de me sentir mal ao ver a agressividade do jornal contra o deputado. Tudo — incluindo os artigos de autores por quem tenho respeito e carinho — me é grandemente estranho e faço absoluta questão de dividir essa estranheza com quem me lê.

O artigo de Caetano foi publicado originalmente no jornal O Globo e pode ser acessado aqui:  http://oglobo.globo.com/cultura/freixo-outra-vez-11616610#ixzz2tUZAXtSZ 

Tolerância Zero, por Dora Kramer

A intolerância está em toda parte. Na internet chegou a níveis insuportáveis. Nas ruas manifestações abrigam pistoleiros de aluguel. A presidente da República reage a críticas com termos de vulgaridade incompatível com o cargo, desatenta ao fato de que reeleição rima com reputação.

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Na Praça dos Três Poderes os sem-terra tentam invadir o Supremo Tribunal Federal em conflito cujo saldo foi de 30 feridos, oito deles em estado grave. A oposição acorda da letargia e vai ao ataque, enquanto na base governista a revolta se avoluma e no tradicionalmente submisso setor empresarial a grita é diária e cada vez mais contundente.

À atmosfera ruim acrescenta-se o imprevisível: o rumo da economia, o risco de a Copa do Mundo se transformar num presente de grego e uma campanha eleitoral que será tão mais acirrada e conturbada quanto maior for a redução do favoritismo da presidente Dilma Rousseff. Com isso, o aumento da probabilidade de o PT se ver em via de voltar à planície.

A tensão aproxima-se do clímax, mas não surgiu de repente nem nasceu por geração espontânea. É filha legítima da dinâmica beligerante que o PT imprimiu ao seu modo de governar, tendo Luiz Inácio da Silva como o comandante em chefe.

O ato de confraternização em que Lula vestiu o boné do MST logo no início de seu primeiro governo soou como um aval do então presidente às ações do movimento. Raras as que não tinham caráter violento. Quando não de agressão física, de ofensa ao direito de propriedade consagrado pela Constituição.

A sucessora agora repete o ato de fiança aos renitentes infratores da lei quando os recebe em Palácio no dia seguinte à promoção de um conflito ali mesmo às portas do Planalto. A motivação? Reatar o diálogo com o MST, como se fosse conversa o objetivo de quem invade, depreda e destrói laboratórios de pesquisa.

Dilma retoma, assim, a mecânica conflituosa que Lula resumiu na expressão “nós contra eles” ao dividir o País entre apoiadores patriotas e críticos conspiradores.

Não há, pela lógica do governo, opositores. Há inimigos a serem dizimados. O exemplo “de cima” espalhou-se pirâmide social abaixo, contaminou os oposicionistas igualmente enraivecidos e fez da tolerância artigo em extinção.

A ausência de civilidade se generalizou. Não se trocam ideias, altercam-se insultos.

Sabem o senhor e a senhora do que anda precisando nosso País? Uma mudança de hábitos. Por exemplo, competência e honestidade são valores a serem bem pesados e medidos na hora da escolha de governantes.

Mas se a esses atributos acrescentarmos a familiaridade com bons modos e respeito ao melhor da língua portuguesa, podemos contar com a expectativa do retorno a um País senão ilusoriamente cordial, ao menos minimamente civilizado.

Meia-trava. O voto aberto para cassações de mandatos de parlamentares é providência merecedora de todas as homenagens recebidas. Convém, contudo, confiar desconfiando.

Levar em conta o outro lado da moeda e aguardar para conferir se não vai diminuir consideravelmente o número de casos de pedidos de punição por quebra de decoro parlamentar levados ao Conselho de Ética, que chegarão ao plenário.

Ou, por outra: como o voto no conselho também é aberto, o travamento pode se dar nas Mesas Diretoras da Câmara ou do Senado.

As bancadas dos partidos também se esforçarão para impedir que seus deputados e senadores sejam alvos de processos de cassação. É uma forma de o Congresso se proteger sem abrir mão do corporativismo.

Militância. A se aceitar a versão do governo de que os críticos à condução do País se dividem entre pessimistas e oposicionistas, fica a dúvida sobre a posição do banco central americano.

Se enquadrado na categoria dos pessimistas, não fica claro qual o interesse do negativismo. Classificados no grupo dos eleitoralmente engajados, ficam abertas as apostas sobre o número de eleitores dispostos a votar sob orientação de Mrs. Janet Yellen, presidente do Federal Reserve.

Leia o original deste post no site do Estadão

A bondade dos assassinos, por Gilherme Fiúza

O Brasil bonzinho assassinou o cinegrafista Santiago Andrade. Não foi outro o criminoso. Quem matou Santiago foi esse Brasil envernizado de bondade e infernizado de hipocrisia. Nenhum débil mental mascarado poderia ter matado Santiago sem a cumplicidade desse monstro.

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A herança maldita da Primavera Burra foi apontada exaustivamente neste espaço. Os bem-pensantes e os demagogos — hoje praticamente indiscerníveis — continuaram matraqueando que os políticos precisavam ouvir “o recado das ruas”. Mentira. Não houve recado nenhum. Não há uma mísera mensagem aproveitável daquele carnaval cívico, onde multidões exuberantes marcharam contra tudo e contra nada — na mais patética perda de oportunidade política na era do Império do Oprimido.

É claro que esse heroísmo imaginário das passeatas não poderia acabar bem. Qualquer bando de almas penadas que fechava uma rua podia ser aplaudido pela sociedade engarrafada. “Desculpem o transtorno, estamos mudando o Brasil”, diziam os revolucionários de videogame. Mudando o Brasil para onde? Para o Afeganistão?

Ninguém perguntou. E a natureza não perdoa: onde não há luz, há treva. Rapidamente, o espaço sacralizado da revolução sem cabeça foi tomado pelo obscurantismo. E o Brasil começou a matar Santiago Andrade quando se permitiu ficar na dúvida sobre o que fazer diante dos boçais mascarados e seus chiliques medievais. Ou melhor: a parte mais bondosa e solidária desse Brasil não ficou na dúvida. Criou um movimento pela libertação dos detidos nas arruaças, black blocs e idiotas associados.

Deputados bonzinhos, intelectuais do bem e artistas antenados gritaram — alto — pela liberdade dos presos em manifestações. Não há artefato mais letal do que a bondade prenhe de ignorância e flacidez moral. E os comandantes da segurança pública, intoxicados pelo arrastão populista, passaram a declarar que “a polícia não está preparada para esse novo tipo de manifestação”. Um escárnio. A barbárie nunca foi tratada com tanto carinho.

Ora, o que se faz com criminosos que saem pelas ruas destruindo o patrimônio público e privado, sitiando cidadãos e atentando contra a sua integridade física? Prende-se. Depois processa-se, julga-se e condena-se. Com as leis que estão aí, com o aparato judicial e policial que está aí, sem um segundo de conversa fiada sobre novos tempos e nova boçalidade. Esse Brasil progressista que matou Santiago se permitiu hesitar diante da afronta ao estado de direito. Confundiu atentado com protesto, e resolveu (embora jamais vá confessar isso) relativizar a violência. Assassino.

Os criminosos que explodiram o crânio do cinegrafista foram identificados sem dificuldade, e estão presos. Mas eles mesmos e seus coleguinhas de terror se cansaram de protagonizar atos igualmente letais, fartamente filmados e fotografados — e puderam voltar tranquilamente para o Facebook e combinar o próximo programinha. Isso porque a sociedade civilizada cismou que não sabe combater “esse novo tipo de manifestação”. A mãe do sujeito que disparou contra Santiago, assustada, não sabia que tinha um criminoso em casa. O Brasil escondeu isso dela.

Quem se meteu a investigar os computadores dos covardes mascarados, chegando a deter alguns dos articuladores desse câncer, foi bombardeado pelos progressistas nas redes sociais. E lá ia o Brasil discutir se pode ou não pode condenar os facínoras ideológicos, deixando as mamães sem uma notícia decente de quem eram os seus pimpolhos homicidas.

Brasil, explique isso agora aos filhos de Santiago.

Não, ninguém vai explicar nada. Já estão chovendo teorias sobre o que é terrorismo, o que é black bloc, que reformas devem ser propostas ao Congresso Nacional (só rindo). Daqui a pouco o irrevogável Mercadante propõe um “plebiscito popular”, e o país volta tranquilamente à sua letargia assassina. Por falar em assassinato, os diplomatas do MST deixaram dez policiais gravemente feridos em Brasília. O Brasil está esperando um deles morrer para se horrorizar.

E o que aconteceu com os agressores? Foram recebidos em seguida por Dilma Rousseff no palácio, para um bate-papo de uma hora sobre reforma agrária. O que você está esperando para pegar sua borduna e ir atrás do que é seu?

Mas vá logo, porque o que é seu está sendo devorado rapidamente pelos amigos do povo — esses que a Primavera Burra não viu. Santiago morreu cobrindo um suposto protesto contra aumento das passagens de ônibus, e não se viu um único revolucionário ninja apontando sua revolta contra a usina de inflação do governo popular S.A. E Dilma pode ir ao aniversário do PT apoiar os mensaleiros presos — numa boa, sem nem um herói das ruas para vaiá-la na saída.

Santiago não teve sorte. Quem tem sorte no país dele é Delúbio Soares, que arrecada pela internet R$ 1 milhão em uma semana — livre de impostos e de covardes mascarados.

Video de delator desata crise e gera ameaça do comando black bloc

Um video postado há três dias no Youtube abriu uma crise no comando dos black bloc do Rio de Janeiro e suscitou ao menos uma grave ameaça velada por parte dos administradores da página dos BB’s no Facebook. O video foi postado por um homem que diz se chamar Clayton Carlos. Ele aparece usando uma máscara do Coringa em manifestações dos últimos meses em outros vídeos que estão em seu perfil no Youtube.

O denunciante se autointitula anarquista. Sem fazer uso de máscara, Clayton afirma ter conhecimento das relações entre políticos e black blocs e faz uma série de denúncias sobre a articulação de baderneiros profissionais arregimentados por parlamentares do PSOL, PT e PR para provocar tumulto e depredações.

De acordo com o Coringa, o PT patrocinou as ações do Movimento Passe Livre em meados de 2013. O ‘Ocupa Cabral’ teria sido sustentado pelo Sindipetro e pelo deputado e ex-governador Antony Garotinho. Os manifestantes aliciados teriam recebido lanche, transporte e R$ 150 reais. O mesmo teria acontecido no Protesto do Palácio das Laranjeiras, no leilão do Campo de Libra, nas ocupações (Ocupa Câmara, Ocupa Cabral) e nas manifestações dos professores durante a greve do ano passado.

Entre os políticos nominados por Clayton Carlos, o que figura em pior situação é o deputado Garotinho. “Teve gente  do Garotinho que pagou bombeiros , determinadas pessoas, para ficar no Ocupa Cabral”, assegura o denunciante. Entre os arruaceiros havia, segundo ele, um grupo de “profissionais” da baderna que recebia até 800 reais para lançar coquetéis molotov no ato das Laranjeiras. “Foi o assessor do Garotinho, o Nadir [quem pagou]. Ele esteve lá e bancou algumas pessoas para fazer  vandalismo.  Todos aqueles que jogaram molotov receberam do Garotinho”, afirma Clayton.

Ao longo dos 7 minutos e 25 segundo de duração do video, Coringa desvela outras relações entre black blocs e o mundo da política. Uma delas diz respeito ao esquema de assessoria judiciária montado para livrar os manifestantes presos durante as manifestações. “Tem juiz envolvido no meio. Juiz que solta. A OAB[RJ], ligada a Lindberg, tem advogados ativistas, advogados do PSOL e do PT para soltar manifestantes que fazem coisas erradas nos atos”.

Ameaça em rede

A página do black bloc RJ no Facebook qualificou as denúncias como covardia e traição sem, no entanto, rechaçá-las. “Ninguém tem o direito de expor a imagem de qualquer pessoa que esteja na luta sem provas”, afirmam os administradores do bbRJ.

Em seguida, os líderes dos mascarados fazem uma ameaça: “Pensam que não estamos de olho ? Se continuarem, medidas serão tomadas. Não passarão. Aguardem.Vamos expor todos os falsos manifestantes”, assevera a publicação, ainda que Clayton Coringa tenha revelado seu rosto e sua identidade na peça publicada no Youtube.

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A morte e a rua, por Bruno Torturra

brunotorturraQuero falar da penúltima transmissão que fiz pela Mídia Ninja.
Foi dia 25 de julho de 2013, em um dia que ainda considero fundamental, e pouco relembrado, na inflexão da narrativa e dos caminhos que os protestos tomaram desde então.

Era para ser um ato paulistano em solidariedade aos cariocas. São Paulo adensava o coro do “Fora Cabral” e da dúvida nacional “Onde está Amarildo?”, semanas antes da comprovação de que policiais o mataram. Comecei o streaming no vão livre do MASP e segui pela Paulista sentido Paraíso. Nos primeiros 50 metros da caminhada, um impasse claro. Manifestantes pintados em verde e amarelo, exaltando o nome de Joaquim Barbosa e palavras de ordem anti-corrupção. E os Black Blocs que chegaram em peso, densos, prontos para a ação.

“Sem vandalismo!”, gritava o primeiro grupo.
“Sem moralismo!”, gritava o segundo enquanto já estouravam as primeiras vidraças de bancos e alguns relógios públicos.

Os verde-amarelos se retiraram resignados. Vi e transmiti a imagem da PM se retirando da frente de um banco Itaú para que o Black Block agisse. Assim como se retirou da Paulista como um todo. Para voltar apenas na 23 de Maio, em frente ao CCSP, quando o Black Bloc incendiava um carro da Rede Record.

Apenas uma viatura apareceu. Dois policiais militares chegaram por trás da manifestação para tentar conter o grupo que, a esse ponto, tentava virar o carro já em chamas por dentro. O Black Bloc ameaçou partir para cima dos policiais. Um deles sacou seu revólver. Manteve-o à mostra.

Eu estava entre a PM e o Black Bloc. Achei prudente sair dali, e me colocar para trás da arma sacada do policia. Foi quando, eu de costas para o Black Bloc, zuniu um paralelepípedo.
Passou a centímetros da minha cabeça antes da cair no chão. Tive a instantânea consciência de que por centímetros eu escapei de um ferimento grave, de uma sequela para a vida toda, da morte, talvez…

Até aquele dia eu tinha como regra não usar capacete. Não queria me diferenciar dos demais cidadãos, não queria me tornar um alvo preferencial de policiais que poderiam me ver como alguém “esperando bala”. Mudei de ideia.

Fiz de capacete minha última transmissão pela Mídia Ninja, no começo de agosto, em um novo protesto em que os Black Blocs protagonizaram. Mais bancos quebrados, mais bombas de gás e balas de borracha da PM disparadas a esmo. Mais acirramento e desejo de conflito de ambas as partes.

Na rua, poucos veículos de comunicação. Entre eles a BAND.
Motolinks, cinegrafistas e Fábio Pannunzio como repórter.
Na Brigadeiro Luiz Antônio, quase entrada para a Paulista, vi, do meu lado, garotos derrubando um dos motoqueiros da emissora. Poderia ter sido linchado, não fosse a intervenção pronta de outros manifestantes que os dissuadiram. Cheguei a ajudar o rapaz a se erguer e, juntos, lamentamos a violência.
Já na Paulista, fui eu o agredido verbalmente. Eu seria um petista disfarçado, a Mídia Ninja seria um projeto de alguma forma governista.

Metros adiante, novo tumulto. Um grupo de Black Blocs cercou Fábio Pannunzio e ameaçava o agredir fisicamente. Ele, calmo e articulado, dizia entender a “dívida histórica” que a grande mídia tinha com o povo. Mas ressaltava que a resposta não poderia ser agressão física, autoritarismo, uma espécie de fascismo que ele identificava na supressão da liberdade de imprensa na rua.

Junto com alguns manifestantes, ajudei a dissuadir o grupo que quase agrediu, de novo, a reportagem da BAND.
Foi meu último streaming de rua.

Nunca mais voltei a cobrir as ruas em São Paulo.
Um pouco pelo medo, pela irracionalidade de ambos os lados. Boa parte pelo gás lacrimogêneo que, a esse ponto, já me causava efeitos prolongados no agravamento da minha asma.
E muito pela falta de interesse no cenário que vi diante de mim.
A violência estava esvaziando o futuro das manifestações e acirrando discursos fora delas.
Depois veio o Roda Viva, o furacão pessoal e profissional que me distanciou ainda mais da cobertura, do tempo real, da própria demanda da Mídia Ninja. E me fez repensar alguns de meus caminhos e propósitos.

7 meses que já parecem uma vida. Mas nos quais, todo dia, me lembro daquele revólver. Daquele paralelepípedo.

A morte de Santiago Andrade é uma tragédia. Antes, e mais importante, pela morte de um homem, pai, marido, filho… A dor e o vazio que transcende política ou debates.
E, depois e secundário, tragédia pelo que representa dentro do histórico, estranho e instável processo desencadeado a partir de junho. Que começou vitorioso e exuberante ao impedir o aumento da tarifa de ônibus. E que encontra seu episódio mais triste agora, quando a tarifa, quem diria, volta a ser demanda no Rio de Janeiro.

A morte de Santiago é também uma tragédia quase anunciada. Fruto de meses de acirramento, de discursos cada vez mais simplistas e inflamados. Da inteligência que definha em um ambiente de guerra física, política, cultural. Da obsolescência do debate em prol do bate boca. Da polícia que vai se tornando milícia sem comando. Dos movimentos que vão se tornando guerrilha sem projeto. Das ideologias cristalizadas em forma de cinismo.

Manifestantes mataram um homem. Poderia ter sido a polícia. Como quase sempre, e vezes demais, foi. Poderia ter sido um policial o morto. Poderia ter sido um pedestre alheio aos protestos. Poderia ter sido um manifestante com ou sem máscara. Foi um cinegrafista. E isso também quer dizer algo.
Pois morreu alguém que estava lá não como manifestante, não como policial, nem como desavisado.
Mas como alguém cuja ofício era, bravamente, ser nossos olhos na rua.

A morte de Santiago nos faz mais cegos.

 

Visite o texto original no Facebook de Bruno Torturra

A criminalização da rabanada e a volta do macartismo

Pode parecer paradoxal, mas a primeira conquista real dos black bloc no campo ideológico é a volta do macartismo. Explico. A partir de uma vaquinha (as do PT para os mensaleiros são muito mais substanciosas) para custear uma ceia de natal, parte da imprensa e da opinião pública já concluiu que os BBs são financiados por “vereadores do PSOL, juízes e delegados de polícia”.

Vencidos ou vencedores ?

Vamos aos fatos. Ninguém vai promover a destruição Estado, do capitalismo, da mídia burguesa-corporativa e o fim da polícia militar lançando rabanadas durante manifestações natalinas de protesto. Parece muito mais razoável e verossímil aceitar que, entre um quebra-quebra e outro, os black blocs do Ocupa Câmara promoveram efetivamente uma confraternização para moradores de rua. Ou você acredita nessa conversa fiada de revolução da rabanada ?

Agora vamos pelo outro lado. O sujeito está em seu gabinete quando toca o telefone. Na linha está Sininho, a black bloc. Ela diz que vai fazer uma ceia de natal e pede uma doação. Se você fosse o político procurado, doaria ou não o dinheiro ?

Eu doaria, ainda que fosse inimigo visceral da causa que eles representam. Duzentos ou trezentos reais podem representar a diferença entre granjear alguma simpatia ou colher a antipatia de quem joga pedras, taca coquetéis molotov e esmurra inimigos ideológicos. E aí, é um bom negócio ou não ? Se a sua resposta é ‘não’, significa apenas que você nunca esteve no fogo cruzado de uma manifestação violenta. Só isso.

Há um outro aspecto muito importante nas denúncias patrocinadas pelo advogado Jonas Tadeu. É o que trata do aliciamento de baderneiros para infundir o terror durante as manifestações. É fato que os black bloc ‘aliciam’ arruaceiros. Mas dou minha cara a bater se alguém provar que a coleta dessas almas é feita com dinheiro, quentinhas e ônibus para o transporte do lumpezinato de aluguel.

Não faz nenhum sentido, a não ser para os analfabetos políticos ou para ou para os mal-intencionados, afirmar que anarquistas podem se valer das mais nefastas práticas capitalistas para montar o exército que vai combater o próprio capitalismo.

Mas faz muito sentido suspeitar que o quebra-quebra e o pânico disseminado durante as batalhas campais interessam a alguns políticos inescrupulosos. Mais do que verossímil, é lícito supor que gente como Antony Garotinho, cujos bate-paus de palanque foram fotografados entre os black blocs, esteja financiando a amplificação da baderna para levar o caos ao Rio de Janeiro. Ao final das investigações, é bem provável que isso fique patente. É esperar para ver.

É provável que os jovens que usam máscaras só venham a entender como foram utilizados pela esperteza dos políticos quando tudo isso restar comprovado. Até lá, no entanto,  vão colher muitas derrotas com a sua tática de ‘ações diretas’ de depredação e desafio à autoridade do Estado. Derrotas que todos os brasileiros vão ser obrigados a dividir com eles.

A começar pelo estreitamento da nossa democracia com a promulgação iminente de leis contra o terrorismo. Elas virão aí, certamente, porque a sociedade está a exigí-las. E vão impor penas severíssimas, criminalizando comportamentos que durante 30 anos foram acolhidos pela nossa jovem democracia.

É uma pena. Mas a estupidez e a demência desses don quixotes anarquistas não vão tornar o País melhor nem mais livre, ainda que venham a torná-lo mais seguro para quem tem uma causa por que protestar.