Sobre a agonia no lance final do julgamento do processo do Mensalão pode-se dizer tudo: “tarde triste”, como disse o ministro Joaquim Barbosa, tarde vergonhosa como pensaram muitos, etc etc. Menos que tenha sido uma tarde surpreendente. Porque o processo que conduziu ao resultado de ontem — a absolvição do crime de formação de quadrilha dos réus do Mensalão — vinha sendo preparado há muito tempo — e com maestria — pelo governo petista com a instrumentalização paulatina da suprema corte do País.
No cerne dessa estratégia esteve a substituição de nomes de julgadores íntegros como os ex-ministros Ayres Britto e Cezar Peluso por outros comprometidos com as lides petistas — caso de Teori Zavascky e Luis Barroso, dois entes estranhos à composição do plenário que iniciou o julgamento da AP-470. Com a chegada de ambos, não apenas a composição política do Pleno do STF, mas sobretudo o perfil doutrinário foi drasticamente alterado para que se chegasse ao resultado a que se chegou na sessão desta triste quinta-feira.
A tática não é estranha aos países do chamado Eixo Bolivariano — Venezuela, Equador, Bolívia, Argentina e agora o Brasil. Foi por meio dela, por exemplo, que o tribunal constitucional de Caracas permitiu o adiamento da posse de Hugo Chavez quando este, moribundo, padecia em Cuba do câncer que terminou por matá-lo. Inventou-se uma norma para aplainar o caminho de Maduro até a presidência da Venezuela.
A decisão, anunciada pela presidente do tribunal constitucional Luisa Estella Morales (uma espécie de Luis Roberto Barroso de saia) contrariou o que está expresso no texto da constituição venezuelana, que manda realizar novas eleições em caso de impedimento permanente do candidato vitorioso nas eleições.
No Equador, Rafael Correa tem usado o Poder Judiciário para penalizar jornalistas que lhe são críticos. Caso notório foi a condenação a três anos de prisão de três profissionais do jornal El Universo e a aplicação de uma multa estratosférica de US$ 40 milhões pela publicação de um texto que chamava Correa de “assassino de lesa humanidade”. Depois, reconhecendo o exagero da sentença, o próprio Rafael Correa “perdoou” o jornal e os jornalistas.
Na Argentina, um processo muito parecido com o que ocorreu no Brasil permitiu à presidente Cristina Kirshner impor a chamada Ley de Medios, um dos fetiches da esquerda brasileira, que tem por objetivo restringir a liberdade de imprensa e, por conseguinte, amainar as críticas que o governo recebe com hostilidade beligerante.
Não por acaso a América Latina vive hoje um paradoxo claro: a despeito de nunca ter havido um bloco tão expressivo numericamente de países democráticos , a democracia ainda incipiente é considerada um bem político de pouco valor — e, por esta razão, frágil. São “democracias de eleitores”, muito distantes ainda de uma “democracia de cidadãos”, na avaliação do Programa da Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
O resultado do julgamento do Mensalão, portanto, foi uma construção tática com o mesmo propósito de movimentos semelhantes ao largo do continente. Teve por objetivo enquadrar o Supremo Tribunal Federal como instrumento da realpolitik e nisso foi muito bem-sucedido. Não houve surpresa.
Afinal, o que estava em discussão não era fazer o que é certo ou o que é justo, consolidar ou aprimorar as instituições democráticas. Era fazer o que é melhor para uma facção política. — e, com isso, os petistas não brincam.