Não há mesmo nada muito diferente do Brasil aqui no Uruguai. A lei de drogas efetivamente não tornou a maconha mais popular nem socialmente aceita. Ontem mesmo, para entrevistar um consumidor, tive que dar um jeito de esconder o rosto dele. A preocupação do rapaz era com o patrão e os chefes. Disse que, se fosse identificado nas imagens, poderia ficar sem o emprego. Muita gente não contrataria um maconheiro no primeiro País do planeta a ter uma política de regulação libertária.
Ontem eu havia dito para vocês que o clima aqui está longe, muito longe do liberou-geral de Woodstock. Não é porque será vendida em farmácias e poderá ser livremente consumida por qualquer cidadão com mais de 18 anos de idade que a maconha se transformou na queridinha dos almoços dominicais em família. Não. Um dos mais exaltados ativistas da época das Marchas da Maconha em Montevideo (houve só duas) não tem coragem de desfilar pelas ruas do povoado onde nasceu, perto da fronteira com o Brasil, com um baseado na boca. “Minha família não toleraria. Meu pai poderia ter um enfarte se me visse fumando um ‘porro'”, que é como chamam o cigarro de maconha aqui. “Sou livre, mas não sou doido de afrontar os velhos”, disse ele.
Só para esclarecer. A regulamentação da lei de drogas ainda está pendente. Os uruguaios vivem numa espécie de limbo jurídico que vai durar até o dia 2 de abril, quando termina o prazo para que o governo baixe a legislação ordinária, os decretos e portarias que vão estabelecer quem vai produzir a erva e como os uruguaios vão ter acesso a ela. A lei só vai vigorar plenamente em meados de julho. Na prática, no entanto, ninguém mais vai preso por fumar ou por manter até seis plantas em casa. Mais do que isso a polícia confisca (porque ainda não há previsão legal para o cadastro dos cultivadores, que a nova legislação exige). A fonte de marihuana ainda é o narcotráfico e praticamente toda a erva é contrabandeada do Paraguai, exatamente como no Brasil.
Não aposte numa relação pacífica entre os maconheiros e seu guru, o presidente Mujica. Ele não gosta de quem fuma — costuma chamar os usuários de “estúpidos”, o que muitas vezes coloca a equipe de assessores afinados com os ativistas em situação delicada. Mujica deixa claro o tempo todo que não quer transformar o Uruguai numa narco-república nem passar para a história como o presidente do liberou-geral. Ao contrário, quer é se livrar do tráfico internacional de drogas — um ótimo motivo, aliás, para passar por cima das cismas seculares o tolerar minimamente o fumacê.