O PT, a moral da guerrilha e a cultura da delinquência

As notícias do envolvimento de petistas célebres com bandidos notórios — lobistas, doleiros, empresários picaretas — deixam claro que o partido aprendeu pouco ou nada com o escândalo do Mensalão. É triste constatar que a legenda, outrora aparentemente comprometida com a moralização da política, tenha se transformado nisso que é hoje.  E que nem o purgatório do cárcere imposto a sua cúpula (o STF e o MPF já chamaram a associação entre José Dirceu, Delúbios Soares, João Paulo Cunha e José Genoíno de quadrilha) foi capaz de dissuadir o ímpeto delinquente de gente como André Vargas e companhia. Enquanto os primeiro ardiam na fogueira do Supremo, os demais já armavam novos trambiques nos prédios vizinhos da Esplanada.

Whitebacked Vultures Feeding on a Carcass

Em 1999, em plena selva colombiana, ouvi de um dos comandantes das FARC uma afirmação que pode ajudar a entender em parte esse comportamento. Disse-me ele que as FARC tinham que sequestrar, extorquir e intermediar a venda de pasta-base de cocaína porque eram um exército insurgente, estavam em guerra contra o governo colombiano e não participavam do orçamento daquele País. Para implantar seu projeto de Estado, tinham que, de alguma forma, financiar as armas, a logística e a instrução de 20 mil homens embrenhados nas selvas. E aqueles eram os meios que lhes restavam.

Há que se reconhecer algumas semelhanças entre a lógica da guerrilha colombiana e a filosofia petista. Note-se o esforço desse partido para defender seus próceres nos múltiplos processos em que se viram envolvidos. A alegação de que petistas roubam não para si, mas para o partido, os equipararia aos guerrilheiros das FARC. É a isto que chamo de moral do guerrilheiro.

O problema é que o PT, ao contrário das FARC, não é um grupo insurgente, não está em guerra contra o Exército brasileiro e tem o controle do orçamento. Foi graças a isso, inclusive, que ele transformou a máquina pública em uma gigantesca máquina partidária — por meio do apadrinhamento, das indicações políticas e da supressão da meritocracia. 

Ocorre que, eventualmente, esse tipo de moral permite o surgimento colateral de episódios e circunstâncias como as que envolveram gente como Celso Daniel, Toninho do PT e, mais contemporaneamente, André Vargas e companhia limitada. Sobre os dois primeiros, pouco esclarecedoras são as circunstâncias de sua morte. Sobre o enroladíssimo André Vargas, aí está o exemplo da gente que se alia ao que há de pior no submundo do crime com o propósito vil de enriquecer, como fica claro na correspondência eletrônica trocada com o doleiro “irmão” Youssef. 

“Um gambá cheira o outro”, diz o sábio provérbio popular. É por isso que os assaltantes do patrimônio público, a despeito das diferenças semânticas e morais, tendem a se encontrar nas mesmas alcovas. A não ser pelos propósitos, não há distinção possível entre ladrões dos mesmos bens. Se uns roubam para o partido e outros, para si mesmos, ambos se equiparam na atitude delitiva, na intencão da tunga. 

Os escândalos da temporada ameaçam transbordar de seus primeiros protagonistas para algo muito maior. Fala-se agora que um ex-ministro indicou um executivo para o laboratório que serviu como cavalo de Tróia para o esquema Vargas-Youssef. Não vou citar seu nome porque ele negou peremptoriamente que tivessse qualquer coisa a ver com isso, embora a Polícia Federal tenha vazados conversas suspeitíssimas entre o doleiro e o até então poderosíssimo vice-presidente da Câmara dos Deputados envolvendo seu nome. É aguardar para ver — até porque a primeira atitude de todo bandido de colarinho branco é negar com veemência o que lhe é imputado.

Em outubro, a população vai às urnas para responder, entre outras coisas, se concorda com essa moral ou se prefere tentar uma alternativa ao roubo secular, que o PT ajudou a emulsificar com a sua mística. Talvez não seja esta a principal preocupação do País ainda. Mas que todos estão percebendo o cheiro da carniça, disso não há mais dúvida — caso contrário, as pesquisas não estariam a indicar o desejo de mudança de dois terços da população. Nem tanto pelo odor fétido da carniça em si — e sim porque ele indica a presença da matilha predadora, dos abutres e dos vermes que também se nutrem dela.

O petralha do doleiro

A história recente está cheia de gatunos petistas apanhados com a mão na botija do erário. Gente insidiosa, que justifica seus achaques com a moral do guerrilheiro. A despeito de estarem no poder — esse André Vargas é vice-presidente da Câmara Federal — atuam nos bastidores para desmoralizar o Estado e o governo que integram.

andrevargas

Pois bem. André Vargas, o indecente, aquele que tem coragem suficiente para um gesto de desagravo dos mensaleiros em face do juiz que os mandou para o xilindró, é também boy de luxo do doleiro que lava o dinheiro de dez entre dez corruptos do País. E não apenas isso: é um espécie de desbravador do lobby dos canalhas que do que é público só querem a oportunidade da tunga.

Ninguém pode se empenhar tanto na defesa de bandidos com trânsito em julgado sem equiparar-se a eles no seu psiquismo. O pai cujo filho é pego traficando drogas não provoca o juiz que condenou seu rebento depois de prolatada a sentença. A mãe cuja filha foi flagrada explodindo caixas eletrônicos não se insurge contra o delegado que a prendeu em ação delitiva.

Mas André Vargas provocou ao extremo, com descortesia e soberba, o juiz que mandou seus colegas e líderes para o calabouço da Papuda. Por que tanto empenho ? Tenho um palpite: sabedor do que tem feito na intimidade da alcova, talvez esse deputado de moral tão frágil  tema o ‘pegar’ da moda e tenha sido acometido por alguma antevisão aterradora  de seu próprio futuro.

O que está certo num País de tantas coisas erradas é que é preciso e urgente separar políticos de ladrões. Ladrões são aqueles que tomam de assalto a política para se locupletar. Grassam em todos os partidos, mas concentram-se especialmente em legendas já testadas como cafofo de outros ladrões investidos de mandato. Ali encontram abrigo, proteção e uma equipe incrível para  assessorá-los na consecução de seus golpes.

Políticos, numa democracia, são aqueles que se valem de mandato popular para trabalhar em benefício da coletividade. Se você quiser saber onde encontrar um deles, o caminho é facílimo. Vá até o Aeroporto de Cumbica, tome um avião para Montevideo. Voe duas horas e meia. Depois de aterrissar e passar pelos trâmites alfandegários, procure por um senhor chamado José Mujica, mais conhecido como Pepe Mujica.