Por favor, não falem mal da Dilma para mim

O apequenar-se ao longo do tempo parece ser um fenômeno inexorável quando o foco da história recai sobre a trajetória dos últimos presidentes brasileiros. No fim do governo Sarney, costumava-se dizer que nem os garçons serviam mais o cafezinho no terceiro andar do Palácio do Planalto de tanto que Sarney se apequenou nos seus últimos dois anos de mandato.

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Collor apequenou-se desde pequeno, porque sempre foi um nanico em vários aspectos — especialmente no moral e no ético. Apequenou-se, ou foi apequenado ao máximo, ao ser impedido de continuar a governar o País que vinha presidindo enquanto seu amigo PC Farias recolhia o butim.

Fernando Henrique Cardoso apequenou-se ao final de seu primeiro mandato para conquistar o direito de se eleger novamente. E depois de combater bravamente a inflação, apequenou-se ao tentar infundir o terror para impedir a inevitável eleição de Lula, criando a técnica que hoje os petistas aplicam contra Marina Silva.

Lula foi o rei do apequenamento. Quase sumiu no Mensalão, ao final de seu primeiro mandato, e continuou se apequenando a cada bobagem que produzia para o deleite dos sátiros e da comunidade internacional.

Enquanto as contradições de natureza moral — e judicial — assolavam seu governo, Lula foi se apequenando em seu silêncio cúmplice, condição que o impediu de condenar abertamente ou defender veementemente os colegas que desafortunadamente seu método de governar acabou colocando na cadeia.

No plano da nossa diplomacia, seguiu se apequenando aos golinhos, entre uma medida risível e um ou outro discurso recheado de falastronices. Sua soberba o levou a equívocos que fizeram o mundo se dobrar diante dele —  às gargalhadas!

Lula emprestou a embaixada brasileira em Tegucigalpa para que o fanfarrão Manuel Zelaya criasse o embrião de um governo paralelo e tentasse golpear a decisão constitucional do Congresso e do Judiciário de mandá-lo para o degredo. Zelaya era um dos mais notórios corruptos centro-americanos. Caiu porque tentou golpear a Constituição.

Malsucedido o intento, Lula saiu pelo mundo propondo a árabes e judeus que fizessem as pazes, selando com um brinde  de cachaça brasileira o fim das hostilidades de dois milênios e tanto. Também defendeu Mahmoud Ahmadinejad quando todo o planeta condenava as tentativas declaradas dos radicais iranianos de obter a bomba nuclear com a qual ameaçavam explodir o Estado de Israel.

Entregou de mão beijada uma refinaria da PETROBRAS a Evo Morales, que a havia expropriado. Aliás, os petistas são muito generosos quando tratam de refinarias da PETROBRAS.

Só porque Dilma Rousseff falou aquela enorme quantidade de bobagens na ONU, no meeting do clima, e porque usou a tribuna da Organização das Nações Unidas para fazer propaganda eleitoral, isso não significa que ela seja pior do que ninguém — especialmente daqueles que ela tem como seus gurus. Em essência, não se pode dizer que Dilma seja pior do que Lula, nem maior, nem menor. Para quem era apenas um poste, ela até que se saiu bem nos últimos dias. Ela apenas é pequena, mínima, como sempre foi, desde a sua origem postiça como candidata à Presidência da República.

Portanto, relativizem e deem um pouco de tranquilidade para a nossa querida presidente concluir seus afazeres em Brasília. Ela não é pior do que Lula, nem do que nenhum de seus antecessores. É apenas mais do mesmo, com a desvantagem de que não demonstra nenhum talento para a gestão da economia e não tem nenhum gosto pela arte da política (a companheirada fica raivosa quando digo que talento para gerir a economia petista é ter coragem de nomear um tucano para presidir o Banco Central).

Isto posto, é bom relembrar o velho e assertivo Barão de Itararé. Ele dizia que “donde nada se espera, daí é que não sai nada mesmo!”.

Dilma e o jogral do Itaquerão

Quero dar um palpite nessa história da vaia à presidente Dilma. 

Foi muito feio ouvir aqueles palavrões. Não sou moralista, muito menos pudico. Mas acho que uma boa vaia teria sido suficiente e razoável. O mundo todo iria entender. Mais do que isso é apenas excesso,  falta de educação, civilidade e civismo.

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Mas também não vou embarcar nessa campanha dos blogs pagos para tentar vitimizar a presidente e tirar alguma vantagem eleitoral. Pelo simples fato de que não há proveito possível nesse episódio.

Apesar do linguajar grosseiro,  há que se considerar o ‘locus’ do fato, um estádio de futebol. É evidente que ele está contaminado pelo jargão das torcidas. Os estádios, aliás, se transformaram em fontes importante de bordões políticos no último ano. Neles, os manifestantes de junho de 2013 foram buscar as palavras de ordem para animara os protestos. Muitos dos corinhos eram apenas palavrões cadenciados em sequência.

Voltando ao ponto. Foi feio o que fizeram com a presidente ? Foi. Grosseiro demais. Desnecessário.

Mas também não foi o chute na santa que estão querendo pintar na ala mercenária da internet. Longe disso. Foi uma manifestação política. Tosca, mas foi. Grosseira. Aposto que ninguém ficou pensando naquele órgãozinho do sistema excretor quando ouviu o jogral do Itaquerão. Na essência, aquilo foi um ato político, ainda que escatologicamente embalado.

Está na cara que algo não está funcionando bem na estratégia do governo. Quando em 2007 Lula trouxe a Copa para o Brasil, certamente imaginou que as câmeras mostrariam o coroamento de seu projeto de País. Três bilhões de pessoas ao redor do mundo veriam o Brasil resiliente e virtuoso, operário, sindicalista, meio bolivariano, que resiste a todas as marolas sem se deixar abater. E os pobres lindíssimos com suas motocicletas e tevês de plasma. E os índios catequizados, e os metroviários amistosos, os movimentos sociais lobotomizados e os policiais federais satisfeitíssíssimos.

Só que… foi [quase] tudo ao contrário!

Lula ficou escondido. Não foi nem ver o Brasil jogar na abertura da Copa que ele armou, na arena que ele mandou construir para seu time de devoção. E Dilma, escondida ao máximo do público por sua assessoria, mas não o suficiente, teve que pagar a conta sozinha. É justo ? 

A presidente Dilma tem razão quando diz que aí estão os aeroportos e os estádios. Estão mesmo. Os estádio estão todos os dias na televisão. Custaram uma fortuna, mas funcionaram. Não estou coonestando o rouba-mas-faz. Mas a Copa está rolando. Animadíssima. Se terá ou não o condão de fazer esquecer a roubalheira, é outra história. Espero que não.

Quanto aos aeroportos, eles realmente reduziram muito o desconforto dos passageiros. Passei por dois deles, Cumbica e Brasília. Não estão totalmente prontos, mas estão funcionando. A ampliação conseguiu evitar algo importante: até agora, pelo menos, não houve o colapso aeroportuário que os céticos davam como inevitável.

Bom, tudo isso para dizer que o público tem muitas razões para reclamar do governo da Dilma. Ela vai ficar devendo um monte de coisas, que vão da prometida faxina ética que não houve  ao crescimento ridículo da economia. Valia mesmo uma boa vaia na primeira oportunidade.Dados o lugar e as circunstâncias, vaiar, apenas vaiar, já não teria sido coisa de pouca importância.

Mais do que isso, puro exagero.

 

‘Cria cuervos que te sacarán los ojos’, por Sandro Vaia

sandrovaiaNão é preciso ter visto o filme de Carlos Saura para entender o significado da célebre expressão espanhola. O rojão na cabeça que matou o cinegrafista Santiago Andrade da TV Bandeirantes durante um distúrbio no Rio é o olho arrancado por um corvo criado, alimentado, paparicado e incentivado por boa parte do pensamento político que imagina construir uma sociedade perfeita cheia de fadas Sininho e de rios de leite e mel, onde a justiça social estará disponível nas prateleiras dos supermercados a preços de liquidação.

Não importa se o morteiro foi disparado por 150 reais. Há assassinatos mais baratos do que esse disponíveis no mercado. Importa é o caldo da cultura que criou assassinos-vítimas que aparecem com cara de Dr. Jeckyll nos seus gestos de confissão e arrependimento e são fotografados em ação no auge de sua monstruosa transfiguração de Mr. Hyde.

Se, além do curling, houvesse na olimpíada russa de inverno que transcorre em Sochi a modalidade de pisar em ovos, a imprensa, as autoridades, os políticos e o governo brasileiro criariam um escrete imbatível. Pede-se uma lei contra o terrorismo, mas terrorismo não é. E se terrorismo for, como não enquadrar os não muito amigáveis manifestantes do MST, que ocuparam a praça dos Três Poderes, tentaram invadir o prédio do Supremo e entraram em combate com policiais militares?

Mas não se pode criminalizar os movimentos sociais, reza a cartilha do poder. Por isso, prudentemente o ministro da Justiça guardou em sua gaveta um ante-projeto do secretário de segurança do Rio, Mauro Beltrame, prevendo punições para manifestações violentas. Como se não bastasse, representantes do pacífico MST, cujo líder José Pedro Stédile chamou o governo Dilma de “bundão” em questões de reforma agrária uma semana antes, foram recebidos e afagados pela própria presidente, depois de ferir 30 policiais nos choques do dia anterior. Mas se o movimento for contra a Copa do Mundo, não será mais movimento social, mas pode ser enquadrado como terrorismo, conforme um projeto de lei que está atravancado em alguma gaveta do Congresso Nacional.

A confusão conceitual se instalou na seara do politicamente correto, e os concorrentes da maratona de pisar em ovos, não sabem mais pra que lado atirar: os pobres meninos desamparados da periferia que atiram rojões a esmo são vítimas da sociedade ou da exploração de políticos inescrupulosos que pagam pela sua violência? O diabo é que todos dizem querer uma sociedade mais justa e em nome disso são capazes de pregar e acreditar que a justiça está em desmoralizar o Poder Judiciário porque condenou correligionários por corrupção ou em escrever que o “superávit primário é uma invenção diabólica do capitalismo para explorar os povos”.

Quem cria esses corvos? E os olhos de quem eles comerão?

Sandro Vaia é jornalista. Foi repórter, redator e editor do Jornal da Tarde, diretor de Redação da revista Afinal, diretor de Informação da Agência Estado e diretor de Redação de “O Estado de S.Paulo”. É autor do livro “A Ilha Roubada”, (editora Barcarolla) sobre a blogueira cubana Yoani Sanchez e “Armênio Guedes, Sereno Guerreito da Liberdade”(editora Barcarolla). E.mail: svaia@uol.com.br

Posto publicado originalmente no Blog do Noblat