Barbosa no tronco, por Reinaldo Azevedo

A discriminação racial assume muitas faces, mas três delas se destacam. Há o ódio desinformado, raivoso, agressivo. O sujeito não gosta do “outro” porque “diferente”, o que, para ele, significa inferior. Há a discriminação caridosa, batizada de “racismo cordial”. Olha-se esse “outro” como um destituído de certas qualidades, mas sem lhe atribuir culpa por essa falta; o “diferente” merece respeito e, se preciso, tutela. Uma vertente da cordialidade é ver a “comunidade” dos desiguais (iguais entre si) como variante antropológica. Com sorte, seus representantes acabam no “Esquenta”, da Regina Casé, tocando algum instrumento de percussão -nunca de cordas!- ou massacrando a rima num rap de protesto. E há uma terceira manifestação, especialmente perversa, que chamo de “racismo de segundo grau”. Opera com mecanismos mais complexos e só pode ser exercida por mentalidades ditas progressistas. É justamente essa a turma que tenta mandar o negro Joaquim Barbosa, ministro do STF, para o tronco.

pelourinho

Os leitores da Folha que conhecem o meu blog sabem que, ao longo dos anos, mais critiquei Barbosa do que o elogiei. Antes ou depois do processo do mensalão. E os temas foram os mais variados -inclusive o mensalão. Ainda que a internet não servisse para mais nada, seria útil à memória. Os textos estão lá, em arquivo. Cheguei a ser alvo de uma patrulha racialista porque, dizia-se então, este branquelo não aceitava a altivez de um negro.

O ministro era saudado como herói por esquerdistas, “progressistas” e blogs financiados por dinheiro público -aqueles que se orgulham de ser chamados por aquilo que são: “sujos”. Como esquecer os ataques nada edificantes de Barbosa a Gilmar Mendes, seu parceiro de tribunal, em 2009? Os “petralhas” consideravam Mendes o seu único inimigo na corte, e o “negro nomeado por Lula” seria a expressão do “novo Brasil”. O príncipe virou um sapo.

Não entro, não agora, no mérito dos votos do ministro no caso do mensalão. Fato: não tomou nenhuma decisão discricionária -até porque, na corte, a discricionariedade, quando existe, atende pelo nome de “prerrogativa”. Que a sua reputação esteja sob ataque, não a de Ricardo Lewandowski, eis a evidência da capacidade que a máquina petista tem de moer pessoas. Por que Lewandowski? O homem inocentou José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino até do crime de corrupção ativa, mas foi duro com Kátia Rabello e José Roberto Salgado, do Banco Rural. Para esse gigante da coerência, os crimes da “Ação Penal 470” (como ele gosta de chamar) poderiam ter sido cometidos sem a participação da trinca petista. É grotesco!

Mas o que é esse tal “racismo de segundo grau”? É aquele que tenta impor ao representante de uma “raça” (conceito estúpido e desinformado!) um conteúdo militante que independe da sua vontade, da sua consciência, da sua trajetória pessoal. Assim, por ser negro, Barbosa seria menos livre do que um branco porque obrigado a aderir a uma pauta e a fazer o discurso que os “donos das causas” consideram progressista. Ao nascer negro, portanto, já teria nascido escravo de uma agenda.

O mensaleiro João Paulo Cunha foi explícito a respeito: “[Barbosa] Chegou [ao Supremo] porque era compromisso nosso, do PT e do Lula, reparar um pedaço da injustiça histórica com os negros”. O ministro não se pertencia; não tinha direito a um habeas corpus moral.

Afinal de contas, quantos votos Barbosa tem no tribunal? Notem que os movimentos negros -a maioria pendurada em prebendas estatais- silenciou a respeito. Calaram-se também quando o jornalista Heraldo Pereira foi chamado de “preto de alma branca” por um desses delinquentes financiados por dinheiro público. Por que defender um negro que trai a causa? Por que defender um negro bem-sucedido da TV Globo?

Um preto só prova que é livre quando obrigado a carregar a bandeira “deles”.

Reinaldo Azevedo escreve às sextas-feiras na Folha de São Paulo.

 

PT instrumentalizou STF. Qual é a novidade ?

Sobre a agonia no lance final do julgamento do processo do Mensalão pode-se dizer tudo: “tarde triste”, como disse o ministro Joaquim Barbosa, tarde vergonhosa como pensaram muitos, etc etc.  Menos que tenha sido uma tarde surpreendente. Porque o  processo que conduziu ao resultado de ontem — a absolvição do crime de formação de quadrilha dos réus do Mensalão — vinha sendo preparado há muito tempo — e com maestria — pelo governo petista com a instrumentalização paulatina da suprema corte do País. 

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No cerne dessa estratégia esteve a substituição de nomes de julgadores íntegros como os ex-ministros Ayres Britto e Cezar Peluso por outros comprometidos com as lides petistas — caso de Teori Zavascky e Luis Barroso, dois entes estranhos à composição do plenário que iniciou o julgamento da AP-470. Com a chegada de ambos, não apenas a composição política do Pleno do STF, mas sobretudo o perfil doutrinário foi drasticamente alterado para que se chegasse ao resultado a que se chegou na sessão desta triste quinta-feira.

A tática não é estranha aos países do chamado Eixo Bolivariano — Venezuela, Equador, Bolívia, Argentina e agora o Brasil. Foi por meio dela, por exemplo, que o tribunal constitucional de Caracas permitiu o adiamento da posse de Hugo Chavez quando este, moribundo, padecia em Cuba do câncer que terminou por matá-lo. Inventou-se uma norma para aplainar o caminho de Maduro até a presidência da Venezuela.

A decisão, anunciada pela presidente do tribunal constitucional Luisa Estella Morales (uma espécie de Luis Roberto Barroso de saia) contrariou o que está expresso no texto da constituição venezuelana, que manda realizar novas eleições em caso de impedimento permanente do candidato vitorioso nas eleições. 

No Equador, Rafael Correa tem usado o Poder Judiciário para penalizar jornalistas que lhe são críticos. Caso notório foi a condenação a três anos de prisão de três profissionais do jornal El Universo e a aplicação de uma multa estratosférica de US$ 40 milhões pela publicação de um texto que chamava Correa de “assassino de lesa humanidade”. Depois, reconhecendo o exagero da sentença, o próprio Rafael Correa “perdoou” o jornal e os jornalistas.

Na Argentina, um processo muito parecido com o que ocorreu no Brasil permitiu à presidente Cristina Kirshner impor a chamada Ley de Medios, um dos fetiches da esquerda brasileira, que tem por objetivo restringir a liberdade de imprensa e, por conseguinte, amainar as críticas que o governo recebe com hostilidade beligerante.

Não por acaso a América Latina vive hoje um paradoxo claro: a despeito de nunca ter havido um bloco tão expressivo numericamente de países democráticos ,  a democracia ainda incipiente é considerada um bem político de pouco valor — e, por esta razão, frágil. São “democracias de eleitores”, muito distantes ainda de uma “democracia de cidadãos”, na avaliação do Programa da Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

O resultado do julgamento do Mensalão, portanto, foi uma construção tática com o mesmo propósito de movimentos semelhantes ao largo do continente. Teve por objetivo enquadrar o Supremo Tribunal Federal como instrumento da realpolitik e nisso foi muito bem-sucedido. Não houve surpresa.

Afinal, o que estava em discussão não era fazer o que é certo ou o que é justo, consolidar ou aprimorar as instituições democráticas.  Era fazer o que é melhor para uma facção política. — e, com isso, os petistas não brincam.

Cadê o passaporte brasileiro do morto-vivo do PT ?

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Fingindo-se de morto.

Foi assim que Henrique Pizzolato preparou adredemente seu plano de fuga ainda na aurora do Mensalão, quando só ele imaginava que um gatuno do PT, desses que abundavam na Esplanda, poderia sair-se preso em plena gestão petista.

Para dar consequência ao plano, Pizzolato precisava de um morto. Servia o irmão Celso mesmo,  enterrado há 35 anos e “ressuscitado” juridicamente em 2008.

Não tem tu, vai tu mesmo.

Enquanto o julgamento avançava, Celso levantou da sepultura, votou, tirou documentos. Atualizou seu cadastro na Receita. Pagou impostos. E, ao final, teve sua fantasmagórica existência formal reconhecida pelos governos brasilerio e  italiano.

Mas para enganar dois países uma formalidade teria que ser obrigatoriamente cumprida: apresentar um passaporte brasileiro válido ao Consulado Italiano. Sem isso, nada de passaporte italiano em nome de Celso Pizzolto.

É assim que funciona a expedição do documento. Leva-se o passaporte emitido pelo governo brasileiro ao consulado. Lá ele é conferido, fotocopiado e arquivado. Só depois é expedido o documento pelo país europeu. Assim, o morto-vivo petista precisa necessariamente ter consigo um passaporte brasileiro em nome do irmão morto-morto.

Quem emite o passaporte brasileiro ? A Polícia Federal. Portanto, Pizzolato teve a cara-de-pau de ir ter com os agentes federais ao construir sua estratégia de fuga para o futuro. A mesma PF que agora tem como missão recompor a saga do morto-vivo do PT.

Até agora falou-se de tudo. Do gênio precavido do mundo do crime, do itinerário de sua viagem, dos estratagemas utilizados para a fuga.

Menos sobre como Pizzolato, o espertíssimo capopetraglia’, o ícone dos jabazeiros da BESTA, enganou a Polícia Federal.

Há muito que falar ainda sobre Henrique Pizzolato. Mas o olé na PF, esta talvez seja a parte mais difícil das explicações posteriores.

 

 

 

 

 

Augusto Nunes: STF estendeu a mão aos quadrilheiros

augustonunes“Da maneira que está sendo veiculado, dá a impressão que o acolhimento vai representar absolvição ou redução de pena automaticamente, e não é absolutamente nada disso”, queixou-se Celso de Mello no domingo ao repórter Severino Motta, da Folha, com quem conversou enquanto tomava café com a filha numa livraria de Brasília. Nesta quarta-feira, ao votar pelo acolhimento dos votos infringentes, o decano do Supremo Tribunal Federal caprichou por mais de duas horas na pose de quem não estava inocentando ninguém. Terminada a maratona retórica, tornara  inevitável a absolvição, daqui a alguns meses, de todos os condenados por formação de quadrilha no julgamento do mensalão.

Nas sessões do ano passado, os ministros Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Rosa Weber não conseguiram enxergar uma quadrilha onde Celso de Mello, em agosto de 2012, viu com nitidez o mais descarado ajuntamento de quadrilheiros que já contemplara em 43 anos nos tribunais. Mas o mesmo Celso de Mello, constatou-se nesta tarde, não consegue ver nada de mais em achar que todo réu inocentado por quatro ministros do STF pode valer-se do embargo infringente para ser julgado de novo.

Julgado e, no caso, absolvido por um Supremo espertamente modificado pela infiltração de duas togas escaladas para socorrer companheiros em apuros. Com a chegada de Teori Zavaschi e Roberto Barroso, os quatro viraram seis e a minoria virou maioria. Assim, é mera questão de tempo o parto oficial do mais recente monstrengo jurídico do Brasil lulopetista: os quadrilheiros que, embora ajam em conjunto e continuadamente, não formam uma quadrilha. Os mensaleiros, portanto, são bandoleiros sem bando.

Se não houve quadrilha, tampouco pode existir um chefe de quadrilha. Assim, José Dirceu será oficialmente exonerado do cargo que exerceu enquanto chefiava a Casa Civil do governo Lula. Embora condenado por corrupção ativa (e sem direito a embargo infringente), o guerrilheiro de festim jamais se livrará do estigma perpétuo. Mas é um consolo e tanto saber que acabou de livrar-se da prisão em regime fechado. Na hipótese menos branda, passará alguns meses dormindo na cadeia (e pecando em paz durante o dia). Ao prorrogar a velharia com nome de produto de limpeza, Celso de Mello decidiu que os votos dos quatro ministros da defesa valem mais que a opinião vencedora dos seis que condenaram os quadrilheiros (e permitiram que 70% dos brasileiros sonhassem com o começo do fim da corrupção impune).

Para proteger um zumbi regimental, o mais antigo dos juízes  deixou a nação exposta aos inimigos do Estado de Direito. Se tivesse socorrido a democracia ameaçada, Celso de Mello mereceria ter o nome eternizado em praças e avenidas em todo o país. Por ter estendido a mão aos criminosos, talvez tenha perdido até a chance de ser nome de rua em Tatuí, a cidade paulista onde nasceu, cresceu e pretende desfrutar da melancólica aposentadoria reservada a todo aquele que poderia ter sido e não foi.

(Por Augusto Nunes)

Leia a íntegra no Blog do Augusto Nunes.

Um ponto dentro da curva

STF

O Ministro Celso de Mello merece todo o respeito e consideração. É um homem bem formado e de sua erudição ninguém duvida. É o decano insuspeito de um tribunal constituído, em tese, por vestais investidas de notório saber jurídico. Talvez o único com autoridade moral para sustentar uma decisão como a desta quarta-feira.  Coubesse a Lewandosky ou Tóffoli o desempate do Mensalão, o mundo teria vindo abaixo.

Por todas essas razões, não havia ninguém melhor nem mais qualificado para cumprir a tarefa de devolver ao STF seu papel histórico, trazer o ponto para “dentro da curva”, acabar com a inflexão e o atrevimento que pareciam levar a suprema corte brasileira finalmente a se afastar de sua tradição.

E qual é a tradição ?

É a de assegurar que os nobres permaneçam inatingíveis pela justiça da plebe.  De guardião do privilégio de foro que, quando foi instituído, visava apenas estabelecer que há dois tipos de delinquentes do País: os que podem ser punidos e os que não devem ser molestados, façam o que fizerem.

O Ministro Celso de Mello foi mais uma vez brilhante. Como sempre. Com sábias e doutas palavras, todas elas muito bem enquadradas no conjunto de valores que rege o sistema, restabeleceu o garantismo e sepultou o domínio do fato. Criou mais um recurso que vai se espalhar por todos os tribunais para eternizar processos criminais abertos contra governadores, ministros e presidentes da República.

E nem foi preciso ir buscar na lei o mote ‘jurisdicional’ para esse resgate. Ele estava ali mesmo, no regimento ultrapassado da corte, o mesmo que ‘recepciona’ algo que a legislação baniu anos e anos atrás, os tais embargos infringentes.

Com esse instrumento, exumado pelos advogados brilhantes dos condenados, Celso de Mello, em duas longas horas de peroração, conseguiu afastar o STF do clamor popular que tanto incomoda aos que vestem a toga no horário de expediente. E não apenas isso: colocou-o em oposição polar a esse clamor, isolando as vozes do populacho inquieto pela sede de justiça.

O ministro insuspeito foi ao âmago da questão. Revirou a história, foi os anais do processo legislativo para capturar o espírito da lei materializado na intenção do legislador ao reformular a norma jurídica. Visitou os tratados internacionais que pregam o respeito ao duplo grau de jurisdição, transformando o STF em reformador das decisões do próprio STF.

Nada falou — talvez essa tenha sido sua única omissão — sobre o espírito da lei magna ao instituir o foro privilegiado, que tantos favores prestou aos ladrões investidos de mandato ao longo da nossa sofrida história. Afinal, por que os legisladores não se preocuparam com a instância recursal ao prever que políticos só podem ser processados pelo Supremo ?

A resposta a essa pergunta está na própria História. Olhe para trás e perceba que apenas um ladrão de galinhas chamado Natan Donadon foi efetivamente penalizado com o cárcere desde o início dos tempos. E ainda assim conseguiu preservar o mandato parlamentar, num gesto de desagravo dos colegas generosos que decidiram sacrificar o bom nome do parlamento e desautorizar o tribunalzão para manter entre eles o deputado-presidiáio.

Graças à erudição e ao douto saber de Celso de Mello, tudo volta a ser como sempre no Brasil. Os direitos individuais de criminosos do colarinho branco foram reforçados pela vitória da ala garantista do STF. O direito coletivo da Nação tungada pelos mensaleiros… Bem, isso pouco importa.

Estamos, portanto, de volta ao mesmo de sempre. Graças ao ministro Celso de Mello, de quem veio o voto decisivo para a contenção do ímpeto renovador de cinco dos seus dez colegas.

Agora é completar o serviço. E absolver os ladrões do PT e das legendas por ele alugadas para dar a Lula maioria confortável no nosso ínclito Congresso Nacional. Ali estão Teori, Barroso, Lewadowski, Tóffoli, Rosa Weber e talvez o próprio Celso de Mello prontos para a tarefa árdua de rever penas, recalcular as sanções e transformar condenações celebradas em notórias absolvições. Quem viver, verá.

Afinal, é este o papel que cabe ao Supremo: o de manter longe da cadeia quem a mereceria caso não estivesse investido de mandato eletivo.

Aquecimentismo: quando a ciência falsifica a ciência para sobreviver como dogma

NOAA

Repare nas duas figuras acima. Elas são quase idênticas. Foram produzidas pela mesma fonte, o Laboratório de Geofísica e Dinâmica dos Fluidos (GDFL) da NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration) do governo norte-americano.

As duas imagens dizem exatamente a mesma coisa: que em algum momento próximo a plataforma de gelo sobre o Ártico vai desaparecer em função das mudanças climáticas provocadas pelo aumento da concentração de CO2 na atmosfera terrestre.

A principal diferença está na data em que isso vai acontecer. Na primeira versão, de 1985, o derretimento da calota polar estava previsto para o ano passado, 2012. Como isso simplesmente não aconteceu, a previsão do NOAA foi “atualizada” , agora para um futuro muito mais distante: 2085.

O incrível é que a última previsão foi feita com base no mesmo modelo climático que gestou e pariu a primeira, o GDFL CM, programa de computador desenvolvido pelo Departamento de Pesquisa Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos.

Trata-se, portanto de uma falsificação, que desnuda a prática corruqueira entre as correntes que defendem, a qualquer custo, a hipótese do aquecimento global antrópico. Se algo previsto do passado não se confirma no presente, joga-se a predição para um futuro distante em que provavelmente os erros não serão questionados.

Enquanto isso, cientistas que repesentam a hegemonia do pensamento climatológico vão enchendo as burras de dinheiro, ganham fama e prestígio com seu discurso milenarista e ajudam a construir a base estrutural de uma nova economia, a chamada “economia verde”.

Só no Brasil, com pesquisas que têm por objetivo confirmar efeitos do aquecimento que a natureza teima em não produzir,  já se investiu mais de US$ 1 bilhão.

Com todo esse dinheiro, segundo o Professor Ricardo Felício, da USP, que é um dos principais críticos dos “aquecimentistas” da moda, teria sido possível construir ao menos dois satélites para monitorar o clima, a devastação das florestas e ainda dar ao País mais segurança e eficiência na comunicação de dados e voz.

Voltando às imagens lá de cima, vamos tentar entender o que elas provam e o que não provam. Provam, em primeiro lugar, que as previsões baseadas em modelos climáticos não funcionaram. Se não funcionaram para 2012, provavelmente não será diferente em 2085, a nova data do apocalipse ártico.

Provam que essas previsões, anunciadas sempre como “modestas”em relação à entropia climática, não se confirmam.

Provam que a ciência, quando quer se tornar popular, se presta à de manipulação descarada, aproximando-se do dogma e da religião.

E provam, para quem quiser assim interpretar, que Deus, ou seu assessor para assunto climáticos, São Pedro, não lê os excertos dessa turma.

Se lesse — e acreditasse neles –, já teria mandado derreter o Polo Norte.

Celso de Mello define daqui a pouco que País somos

Celso_de_MelloEstá nas mãos do ministro Celso de Mello a decisão sobre que País é o Brasil dos tempos atuais. Com toda sua lucidez e conhecimento, reconhecido à direita, à esquerda e ao centro, o decano do STF tem a dificílima missão de estabelecer se somos o País da chicana ou o da Justiça. Se somos lenientes para com a corrupção ou não a toleramos.

Sabe-se da inclinação do ministro pelo acolhimento dos embargos infringentes, um instrumento que a lei baniu, mas não baniu de todo. Mas ninguém sabe exatamente o que ele fará.

Há várias possibilidade de contemplar o justo e o necessário. Necessário, como o próprio ministro afirmou em seu histórico voto, é punir os criminosos e extirpar a quadrilha que roubou o dinheiro da viúva. O justo, dentro de seu universo de valores, é dar-lhes acesso a esse recurso que desequilibra o sistema judiciário e demarca a diferença entre Zé Dirceu e o Zé Ninguém, parafraseando Cláudio Weber Abramo.

O Ministro já disse o que pensa sobre o embargos infringentes. Acha que eles ainda vigoram. O que fará diante de sua convicção antecipada ?

Ele pode reconhecer que os infringentes existem, mas entender que não e o caso de concedê-los aos réus que o pleiteiam.

Pode simplesmente mudar de ideia e dizer que se equivocou no passado. Mas isso não é da natureza de Celso de Mello.

E pode, finalmente, acolhê-lo, sob a justificativa de que um novo julgamento não representaria a impunidade, a despeito da prescrição e da possibilidade de que a nova composição do Pelo do STF parece ser muito mais garantista do que a da primeira fase do julgamento.

Com a palavra, Celso de Mello. E nas palavras dele, o desenho do País que somos.

 

 

Claudio Weber Abramo, Zé Dirceu e o Zé Ninguém na TV Diurna

Cláudio Weber Abramo: "Ze Dirceu é diferente do Zé Ninguém"
Cláudio Weber Abramo: “Ze Dirceu é diferente do Zé Ninguém”

A admissão dos embargos infringentes no julgamento dos réus do Mensalão vai provocar um desequilíbrio no sistema judicial brasileiro. A opinião é do Secretário-Executivo da ONG Transparência Brasil, Cláudio Weber Abramo. “Réus julgados em outros tribunais, como o STJ, não terão acesso a essa modalidade de revisão, uma vez que eles não aceitam embargos infringentes”, diz Abramo.

Segundo ele, isso cria uma distinção importante entre “réus de alto coturno”, aqueles que serão julgados diretamente pelo STF por terem foro privilegiado, e todos os demais cidadão. “É algo que distingue o Zé Dirceu do Zé Ninguém”, disse à TV Diurna, da Acta Diurna.

Abramo considera que o Supremo tem dado mostras de que não está tão imune a fatores políticos quanto querem fazer crer os ministros. “Basta ver que o julgamento da Ação Penal 420, a do Mensalão Mineiro, nem começou”.

Para assistir a entrevista, basta clicar no vídeo ao lado, na página principal do blog.

Lenio Streck: “não cabem embargos infringentes no STF”

leniostreckPerguntas e respostas
Não há respostas antes das perguntas. Trata-se de uma máxima da hermenêutica. Por isso, a resposta antecipada acerca do cabimento dos embargos infringentes em ação penal originária no âmbito do Supremo Tribunal Federal parecia esgotar a matéria. Assim, quando a Folha de S.Paulo trouxe a afirmação de que, em caso de condenação dos acusados na AP 470 (mensalão), estes ingressarão com o Recurso denominado “embargos infringentes”, com base no Regimento Interno do STF, por pouco não sucumbi à tese.

Desse modo, segui outra máxima da hermenêutica, que é a de desconfiar de qualquer certeza. Não há jogo jogado. Se, como acredito, há sempre uma resposta adequada a Constituição — o que implica dizer que há respostas mais corretas que outras ou, até mesmo, uma correta e outra incorreta – a obrigação é a de revolver o chão linguístico que sustenta uma determinada tradição e, a partir dali, reconstruir a história institucional do instituto. É esse o trabalho a ser feito. Ao mesmo tempo, advirto que estou levantando a questão por amor ao debate e a Constituição, no mesmo espírito que moveu o estimado e ilustre Luiz Flávio Gomes a trazer à colação a possibilidade de nulidade do julgamento em face de precedente da Corte Interamericana (leia aqui). Não vou discutir, agora, a tese de Luiz Flávio. Pretendo, neste momento, (re)discutir os embargos infringentes.

Com efeito, escrevi, recentemente, no artigo O STF e o Pomo de Ouro (ler aqui), que é necessário que sejamos um tanto quanto ortodoxos em matéria constitucional. E é exatamente por isso que trago à baila o debate acerca do cabimento (ou não) dos embargos infringentes no caso de julgamento definitivo do STF como instância originária.

O RISTF
Corro para explicar. O RISTF, anterior a Constituição de 1988, estabelece, no artigo 333, o cabimento de embargos infringentes nos casos de procedência de ação penal, desde que haja quatro votos favoráveis à tese vencida. Em síntese, é o que diz o RISTF. Simples. Fácil de entender.

Mas, então, qual é o problema? Há algo de intrigante nisso? Aparentemente, a questão estaria resolvida pela posição que o STF assumiu no julgamento do (AI 727.503-AgR-ED-EDv-AgR-ED, assim ementado:

Não se mostram suscetíveis de conhecimento os embargos de divergência nos casos em que aquele que deles se utiliza descumpre a determinação contida no art. 331 do RISTF. A utilização dos embargos de divergência impõe que o embargante demonstre, cabalmente, a existência de dissídio interpretativo, expondo, de modo fundamentado, as circunstâncias que identificam ou que tornam assemelhados os casos em confronto, para fins de verificação da relação de pertinência que deve necessariamente existir entre o tema versado no acórdão embargado e a controvérsia veiculada nos paradigmas de confronto. (…) O STF, sob a égide da Carta Política de 1969 (art. 119, § 3º, c), dispunha de competência normativa primária para, em sede meramente regimental, formular normas de direito processual concernentes ao processo e ao julgamento dos feitos de sua competência originária ou recursal. Com a superveniência da Constituição de 1988, operou-se a recepção de tais preceitos regimentais, que passaram a ostentar força e eficácia de norma legal (RTJ 147/1010 – RTJ 151/278), revestindo-se, por isso mesmo, de plena legitimidade constitucional a exigência de pertinente confronto analítico entre os acórdãos postos em cotejo (RISTF, art. 331).” (AI 727.503-AgR-ED-EDv-AgR-ED, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 10-11-2011, Plenário, DJE de 6-12-2011.)

No caso objeto do referido AI 727.503 – AgR-ED-EDv-AgR-ED, disse o STF que as normas regimentais de direito processual, produzidas sob a égide da Constituição anterior (1967-1969), foram recepcionadas pela atual Constituição (Art. 96. Compete privativamente: I – aos tribunais: a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos). Pronto. Isso encerraria a discussão. Afinal, o art. 333 do RISTF que estabelece o “recurso” dos embargos infringentes, quando existirem quatro votos favoráveis ao réu, valeria como norma processual.

Tão simples, assim?
Penso, no entanto, que a questão não é tão singela. A decisão do STF se referiu a um caso determinado. Não tratava de embargos infringentes (art. 333 do RISTF). E a assertiva da recepção tem limites, porque deve ser lida no sentido de que “essa recepção não se sustenta quando o legislador pós-Constituição de 1988 estabelece legislação que trata a matéria de forma diferente daquela tratada no Regimento Interno”. Caso contrário, o Regimento Interno estaria blindado a qualquer alteração legislativa ou ainda se correria o risco de conferir ao STF o mesmo poder legiferante que possui a União, uma vez que ele estaria autorizado a legislar sobre matéria processual contrariando, assim, o que dispõe o inc. I do art. 22 da CF.

Aliás, esse Acórdão do STF deve ser lido em conjunto com outros do mesmo Supremo. Por exemplo, “O espaço normativo dos regimentos internos dos tribunais é expressão da garantia constitucional de sua autonomia orgânico-administrativa (art. 96, I, a, CF/1988), compreensiva da ‘independência na estruturação e funcionamento de seus órgãos’.” (MS 28.447, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 25-8-2011, Plenário, DJE de 23-11-2011.) Vide: ADI 1.152-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 10-11-1994, Plenário, DJ de 3-2-1995.

Ainda:

“Com o advento da CF de 1988, delimitou-se, de forma mais criteriosa, o campo de regulamentação das leis e o dos regimentos internos dos tribunais, cabendo a estes últimos o respeito à reserva de lei federal para a edição de regras de natureza processual (CF, art. 22, I), bem como às garantias processuais das partes, ‘dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos’ (CF, art. 96, I, a). São normas de direito processual as relativas às garantias do contraditório, do devido processo legal, dos poderes, direitos e ônus que constituem a relação processual, como também as normas que regulem os atos destinados a realizar a causa finalis da jurisdição. (…) (ADI 2.970, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 20-4-2006, Plenário, DJ de 12-5-2006.)

Ou, talvez

“Em matéria processual prevalece a lei, no que tange ao funcionamento dos tribunais o regimento interno prepondera. Constituição, art. 5º, LIV e LV, e 96, I, a. Relevância jurídica da questão: precedente do STF e resolução do Senado Federal. Razoabilidade da suspensão cautelar de norma que alterou a ordem dos julgamentos, que é deferida até o julgamento da ação direta.” (ADI 1.105-MC, Rel. Min. Paulo Brossard, julgamento em 3-8-1994, Plenário, DJ de 27-4-2001.)

Ou

Portanto, em face da atual Carta Magna, os tribunais têm amplo poder de dispor, em seus regimentos internos, sobre a competência de seus órgãos jurisdicionais, desde que respeitadas as regras de processo e os direitos processuais das partes.” (HC 74.190, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 15-10-1996, Primeira Turma, DJ de 7-3-1997.)

Veja-se: desde que respeitadas as regras de processo…!

Não se interpreta por partes. Em termos hermenêuticos, vai-se do todo para a parte e da parte para o todo, formando-se, assim, o hermeneutische Zirkel (círculo hermenêutico). Texto é contexto. O RISTF só existe no contexto do campo significativo que emana da Constituição. Nesse sentido, parece que a pá de cal na discussão pode estar na quase desconhecida ADI 1289, pela qual o STF entendeu o cabimento de embargos infringentes em ação direta de inconstitucionalidade.

RISTF v. Leis
Qual era o case nessa ADI 1289? Tratava-se de uma ADI ajuizada antes da entrada em vigor da Lei 9.868/99. Mas qual é a importância disso? Ai é que está. O STF (ADI 1591) admitia a interposição de embargos infringentes em ADI até o advento da Lei 9.868. Como essa lei não previu a hipótese de embargos infringentes, o STF passou a não mais os admitir. Só admitiu embargos infringentes – como é o caso da ADI 1289 – nas hipóteses que diziam respeito ao espaço temporal anterior à Lei 9.868.

Assim, é possível dizer que, nesse contexto, se o STF considerou não recepcionado (ou revogado) o RI (no caso, o art. 331) pelo advento de Lei que não previu esse recurso (a Lei 9.868), parece absolutamente razoável e adequado hermeneuticamente concluir que o advento da Lei 8.038, na especificidade, revogou o art. 333 do RISTF, que trata de embargos infringentes em ação penal originária (na verdade, o art. 333 não trata de ação penal originária; trata a matéria de embargos infringentes de forma genérica, mais uma razão, portanto, para a primazia da Lei 8.038, que é lei específica). É o que se pode denominar de força pervasiva do comando constitucional previsto no art. 96, I, a, na sua combinação com o art. 22 da CF. Veja-se: um limita o outro. Se é verdade que se pode afirmar – como fez o STF – que normas processuais previstas em regimento interno são recepcionadas pela CF/88, também é verdade que qualquer norma processual desse jaez não resiste a um comando normativo infraconstitucional originário da Constituição de 1988. Isto porque, a partir da CF/88, um regimento interno não pode contemplar matéria estritamente processual. Ora, a Lei 8.038 foi elaborada exatamente para regular o processo das ações penais originárias. Logo, não há como sustentar, hermeneuticamente, a sobrevivência de um dispositivo do RISTF que trata da matéria de modo diferente.

Easy ou Hard Case?
Percebe-se, desse modo, que não estamos em face de um easy case, embora, na esteira de Dworkin e Castanheira Neves, não acredite na dicotomia easy-hard cases. Na verdade, o que determina a complexidade do caso é a relação circular que se estabelece entre a situação hermenêutica do intérprete e as circunstâncias que determinam o caso. Trata-se de uma questão de fusão de horizontes (Gadamer). Um dado caso pode parecer fácil porque o intérprete incauto se deixa levar logo pelos primeiros projetos de sentido que se instalam no processo interpretativo. Não há suspensão de prejuízos tampouco um ajuste hermenêutico com a coisa mesma (die Sache selbst). Assim, as diversas nuances e cores que conformam o caso escapam à compreensão d interprete e seu projeto interpretativo, inevitavelmente, fracassa. Por outro lado, por razões similares, um determinado caso pode se mostrar difícil em face da precariedade da situação hermenêutica do intérprete.

Sigo. Nenhum dos acórdãos do STF até hoje enfrentou questão envolvendo diretamente a superveniência da Lei nº 8.038/1990, que, efetivamente – e isso parece incontestável -, estabeleceu a processualística aplicável às ações penais originárias. E, acreditem, nem de longe estabeleceu o “recurso” dos embargos infringentes. Isto é, não há julgamento tratando da antinomia RISTF-Lei 8.038. No máximo, o que existe é menção, em obiter dictum, de que, em determinado caso, não seria caso de embargos infringentes (v.g., SS 79.788-ED, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 1.2.2002).

Portanto, não estaríamos, neste caso, em face de um impasse hermenêutico? Indago: embora o STF diga – em um determinado caso que não é similar ao que estamos tratando – que as normas processuais estão recepcionadas, essa posição se manterá quando se colocar a pergunta: pode o RISTF sobreviver a uma Lei Ordinária, que, na sua especialidade (leia-se essa palavra no sentido técnico), veio para regulamentar a Constituição de 1988?

O papel do RISTF
Qual é o papel do RI do STF? Pode ele dizer mais do que a lei que regulamenta a Constituição? Pode um dispositivo do RI instituir um “recurso processual” que a lei ignorou/desconheceu? Sabe-se que o RI é “lei material”. Entretanto, não pode o RI tratar especificamente de “processo”.[1] Caso contrário, não precisaríamos sequer de uma reforma do CPC ou do CPP: o STF poderia tratar de tudo isso em seu Regimento Interno… Em outros termos, tornaríamos sem eficácia o inciso I do art. 22 da CF.

Mais: é possível admitir a sobrevivência (recepção?) de um dispositivo do Regimento Interno que vem do ancién régime, destinado, exatamente, a proporcionar, em “casos de então”, um reexame da matéria pelos mesmos Ministros, quando, por exemplo, era possível a convocação de membros do Tribunal Federal de Recursos? Hoje qualquer convocação de membros de outras Cortes é vedada. Logo, em face de tais alterações, já não estaríamos em face de um “recurso de embargos infringentes”, mas, sim, apenas em face de um “pedido de reconsideração”, incabível na espécie.

Como se vê, existem vários elementos complicadores à tese do cabimento de embargos infringentes em ação penal originária junto ao STF. Esses embargos infringentes previstos apenas no RISTF e que foram ignorados pela Lei 8.038, parecem esvaziados da característica de recurso. Tudo está a indicar que, o que possui efetivamente tal característica, é a figura dos embargos infringentes previstos no segundo grau de jurisdição, que são julgados, além dos membros do órgão fracionário, por mais um conjunto de julgadores que são, no mínimo, o dobro da composição originária.

Outro ponto intrigante e que reforça o hard case diz respeito ao seguinte ponto: pelo RISTF, a previsão dos embargos infringentes cabíveis da própria decisão do Órgão Pleno do STF necessita de quatro votos. E por que não cinco? E por que não apenas três? Quem sabe, dois? Ou apenas um voto discrepante? Por outro lado, seria (ou é) coerente (no sentido dworkiniano da palavra) que, em uma democracia, uma Suprema Corte – que, no caso, funciona como Tribunal Constitucional – desconfie de seus próprios votos? Não seria uma capitis diminutio pensar que o mesmo Ministro – vitalício, independente – que proferiu voto em julgamento em que podia, a todo o momento, fazer apartes, dar-se conta de que, ao fim e ao cabo, equivocou-se? Ou seja: um Ministro condena um cidadão que tinha direito a foro especial (privilegiado) e, depois, sem novas provas, dá-se conta de que “se equivocou”…

O risco do paradoxo
Mas, o conjunto de indagações não para por aqui. Pensemos na seguinte questão: para uma declaração de inconstitucionalidade – questão fulcral e maior em um regime democrático – são necessários seis votos para o desiderato de nulificação (de um ato normativo). Pois é. Mas, em matéria criminal, sete votos não seriam suficientes para uma condenação… (considerando que quatro Ministros votem pela absolvição). Indo mais longe: também seis votos (maioria absoluta), pelo RISTF, não são suficientes para colocar fim à discussão penal… Com isso, chega-se ao seguinte paradoxo: no Brasil, é possível anular uma lei do parlamento e até emenda constitucional com seis votos da Suprema Corte. Entretanto, não é possível tornar definitiva uma decisão que dá procedência a uma ação penal originária. Isto porque, segundo o RISTF, havendo no mínimo quatro votos discrepantes, cabe “recurso por embargos infringentes”.

Ora, no caso do processo civil, além de toda a teoria exposta, a resolução torna-se ainda mais simples, uma vez que há dispositivo legal que explicita a questão (não parece que seria realmente necessário), especificamente o artigo 1.214, que fala que “Adaptar-se-ão às disposições deste Código as resoluções sobre organização judiciária e os regimentos internos dos tribunais”.

Assim, parece interessante que examinemos essa problemática. Desde o caso Marbury v. Madison, tem-se a tese da rigidez Constitucional. Isso quer dizer que não é qualquer legislação que pode alterar a Constituição. E tampouco leis ordinárias podem ser alteradas por Regimentos Internos. Por isso, já que a questão das “lendas urbanas” está se proliferando – e digo isso com todo o carinho, até porque essas discussões fazem com que todos possam crescer -, lanço minhas dúvidas sobre esse hard case (cabem mesmo embargos infringentes nos processos criminais de competência originária, na medida em que a Lei que regulamentou a processualística – 8.038 – não tratou da espécie?).

Minhas reflexões são de índole constitucional-principiológica. Sempre escrevi que os julgamentos devem ser por princípio e não por políticas. Ou seja, julgamentos judiciais não podem estar baseados na subjetividade plenipotenciária do intérprete, tampouco no interesse de grupos ou ideologias. Julgamentos devem se fundamentar em princípio e sempre devem traduzir uma interpretação que apresente o melhor sentido para as práticas jurídicas da comunidade política. E, portanto, não devem ser ad-hoc. Isso quer dizer que o STF deverá, em preliminar, examinar a antinomia infraconstitucional e constitucional da equação “RISTF-Lei 8.038-CF/88”. Para o processo do “mensalão” e para os casos futuros. O STF terá que dizer se o seu RI vale mais do que a Lei nº 8.038/1990. Se sim, muito bem, legitima-se qualquer “recurso de embargos infringentes”; se não, parece que o veredicto do plenário será definitivo. Eis o hard case para descascar.

PS: não parece ser um bom argumento dizer que os embargos infringentes se mantêm em face do “princípio” (sic) do duplo grau de jurisdição, isto é, na medida em que um acusado detenha foro privilegiado e, portanto, seja julgado em única instância, isso faria com que o sistema teria que lhe proporcionar uma espécie de “outra instância” (sic). Com a devida vênia, esse argumento é meramente circunstancial e não tem guarida constitucional. O foro privilegiado acarreta julgamento sempre por um amplo colegiado, que é efetivamente o juiz natural da lide. Há garantia maior em uma República do que ser julgado pelo Tribunal Maior, em sua composição plena? Não é para ele, o STF, que fluem todos os recursos extremos? Um acusado “patuleu” tem duplo grau porque é julgado por juiz singular; um acusado “não-patuleu” (com foro no STF) não tem o duplo grau exatamente porque é julgado pelo colegiado mais qualificado na nação: o STF, em full bench. E não parece ser pouca coisa, pois não?


[1].Como bem dizem Nelson Nery Jr e Rosa Maria de Andrade Nery, cabem aos Regimentos Internos “o respeito à reserva de lei federal para a edição de regras de natureza processual (CF 22,I), bem como ‘as garantias processuais das partes “dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos orgãos jurisdicionais e administrativos’. São normas de direito processual às relativas às garantias do contraditório, do devido processo legal, dos poderes, direitos e ônus que constituem a relação processual, como também as normas que regulem os atos destinados a realizar a causa finalis da jurisdição.”(Cf. Constituição Federal aComentada, SP, RT, p. 465).

Clique aqui para assistir os vídeos do julgamento do mensalão.

Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.

Artigo publicado na Revista Consultor Jurídico, 13 de agosto de 2012

Que saudade do Ayres Britto!

Se ele estivesse lá, a conversa seria outra.
Se ele estivesse lá, a conversa seria outra.

É quase certo que os mensaleiros vão ganhar uma segunda chance de reverter as penas que lhes foram aplicadas no primeiro julgamento do STF. Abre-se a brecha também da prescrição, sinônimo de impunidade. A menos que esteja construindo uma trama digna de “Amor à Vida”, o decano do Supremo, Celso de Mello, vai fechar a porta do cárcere para que os condenados não possam entrar. Será a vitória do ‘garantismo’ e da chicana contra a lei e o justo desejo da população de ver quem lhe assalta pagar pelo que fez.

Caso o enredo se confirme, o tribunal constitucional vai cumprir seu desiderato: a despeito da prisão de um ladrão de galinhas da política, o deputado-presidiário Natan Donadon, abandonará o ponto de inflexão (o ponto fora da curva do Ministro Luis Roberto Barroso) para se colocar novamente como guaridão da chicana, dos recursos que eternizam processos e da impunidade. É o que está em questão neste momento: A guarda da ‘tradição’, que nisso pode ser resumida.

O que fará, depois disso, o promotor de justiça obrigado a denunciar um punguista por ter furtado a carteira de alguém ? Ou o juiz singular em face de um pequeno traficante ? Que respeito terá o criminoso por um Judiciário que busca num regimento a salvaguarda para afrontar a lei ? Que desenterra instrumentos proscritos, banidos da legislação, para tirar da cadeia os ladrões da política ? Ou o soldado faminto diante da oferta de uma ‘cervejinha’ em troca da chave das algemas ?

A decisão a cargo do Ministro Celso de Mello não diz respeito apenas ao destino dos quadrilheiros do PT e adjacências. Ela representará um marco, um divisor de águas, entre o futuro que o País almeja e a eternização desse paradigma ainda imperial, em que a certas elites tudo é permitido.

A desmoralização da Corte antevista pelo ministro Marco Aurélio de Mello não será o único problema. Ela representará também a desmoralização do País. Será uma frustração enorme e ficará eternizada como símbolo da perfeita sintonia entre Poderes que ora franqueiam jatinhos para que autoridades façam viagens de turismo com suas famílias, ora anistiam politicamente condenados com sentença transitada em julgado, ora absolvem quem se vale de lobistas para pagar a pensão alimentícia.

A maior estranheza, no entanto, é que esse futuro maculado vai sendo construído pela mesmo instituição que há apenas um ano parecia estar na iminência de assumir o papel de redentor da cidadania. Que ficava com o ‘domínio do fato’ em detrimento do garantismo.

O que mudou de lá para cá ? Dois nomes, apenas dois nomes: Teori Zavascky e Luis Roberto Barroso.

Que saudade do Ministro Ayres Britto!

(Por Fábio Pannunzio)