O bas-fondmetro nas pistas paulistas

Falei aqui ontem sobre a minha desconfiança de que pelo menos parte da carnificina que grassa nas rodovias paulistas se  deve á incúria dos responsáveis pelo patrulhamento preventivo — portanto, à Secretaria de Segurança Pública e ao governador Geraldo Alckmin.

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Só neste carnaval houve 37 mortes, número que não se registrava desde 2010. Acho que isso está em linha com a redução das ações de fiscalização da chamada Lei Seca para uma fração do que tínhamos no começo da década. Uma coisa é consequência da outra.

Antes de publicar o texto, entrei em contato com a assessoria de imprensa da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Solicitei que me confirmassem o número de blitze, se possível a série histórica. A resposta só veio muito mais tarde, muitas horas depois que fiz a publicação. E trouxe ainda mais elementos para reforçar minha convicção.

A PMSP não consegue confirmar nem desmentir os números que circularam nos jornais dos últimos dias. Eles dão conta de que houve apenas 70 blitze no ano passado, o que representaria uma redução de 75% em relação a 2012, quando teriam sido feitas 277 operações. Não consegue confirmar porque, de acordo com a assessoria, “não é possível informar o número de Blitzes (SIC) realizadas”.

Em contrapartida, me enviaram um dado muito mais substancioso e importante: uma tabela com a série histórica de ocorrências em que motoristas foram submetidos ao teste do bafômetro desde 2009. Esses números são muito mais eloquentes do que os que vinham sendo tratados anteriormente. 

tabelaO que essa tabela revela ? Ela mostra o número de cidadãos fiscalizados na capital, no interior e nas estradas do estado ao longo dos últimos cinco anos. Em 2009, ano seguinte à promulgação da primeira versão da Lei Seca, quase 222 mil motoristas foram submetidos ao bafômetro. Em apenas dois anos, esse número chegou a quase 950 mil testes aplicados — um crescimento vertiginoso de quase 430%.

Mais vertiginosa do que essa ascendente incrível, só mesmo a queda livre do ano seguinte. Depois de tangenciar um milhão em 2012, apenas 12.989 motoristas foram submetidos ao bafômetro em 2013. A queda foi de inacreditáveis 98,63%. Para que você possa dimensionar com mais precisão o que isso representa, pense que a mesma PM aplicou 73 vezes mais testes do bafômetro em 2012 do que em 2013. Há algo que justifique ou explique isso ?

Pode haver sim. Por exemplo, um erro da assessoria de imprensa. Um erro das estatísticas (nunca ouvi falar que eles erraram para mais, só para menos). Mas teria que ser um erro grosseiro demais em uma informação estratégica (pelo menos do ponto de vista presumível do marketing político), que demandou mais de onze horas para ser liberada.

Agora vamos à comparação com alguns números do Rio de Janeiro, estado que faz os paulistanos morrerem de vergonha em relação à seriedade com que a tal Lei Seca é tratada. Repare que neste ano, até o dia de ontem (6 de fevereiro), foram aplicados 8773 testes em São Paulo. Em todo este ano, reparou ? Pois só no carnaval a Operação Lei Seca fluminense abordou 85% disso no Rio de Janeiro. Em apenas seis dias!

Será que o Romário teria pago o mico que pagou se estivesse dirigindo bêbado em São Paulo? Ele foi flagrado, multado e teve a carteira apreendida em pleno carnaval do Rio de Janeiro pela Operação Lei Seca. Deve estar morrendo de inveja dos colegas de São Paulo, que  podem entornar o caneco à vontade certos de que ninguém vai incomodá-los no trânsito. E não se pode dizer que a imunidade ao bafômetro é privilégio de deputados e senadores.

Nem a enganação. Se você não acredita, acompanhe meu raciocínio.

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Em plena carnificina momesca, a Secretaria de Segurança Pública solta um release que é um primor de desfaçatez. Um print de página está aqui ao lado. Se você clicar nele, vai lê-lo dentro do site da SSP. Veja a manchete: “Número de mortes diminui nas rodovias sob concessão no carnaval deste ano”. A única verdade absoluta que esse texto expressa não está contida em nenhuma declaração literal. É a de que talvez o problema esteja nas estradas que o governo administra diretamente, e não naquelas cuja administração foi entregue à iniciativa privada. 

A  locução “Lei Seca” não é muito popular no site oficial do governo paulista. Entre no portal e digite “Lei Seca”no mecanismo de busca para ver o que acontece. Eu já fiz isso para você e o resultado está aqui, se te interessar. A pesquisa retorna 79 documentos entre textos, videos, fotos, discursos etc. O mais recente é um press-release sobre uma operação chamada “Direção Segura”.  Data de 5 de julho do ano passado, na antevéspera do feriadão da Revolução Constitucionalista. Isso foi há oito meses. O post informava que a Polícia Rodoviária iria flagrar os embriagados ao volante com “300 novos bafômetros”.  Não se sabe o que foi feito com tantos bafômetros. Mas nunca mais os assessores de imprensa do governo escreveram uma nota sequer sobre o assunto.

A propósito, a palavra ‘bafômetro’ também não é muito popular no portal do governo. A última vez que figurou em algum comunicado à imprensa foi justamente nesse, velhinho de oito meses, onde se noticia a tal operação dos trezentos bafômetros.

 

 

O Rio de Janeiro e pequena barbárie de todo santo dia

Todo mundo diz que o Rio de Janeiro é uma zona, que fica no limiar entre a civilização e a barbárie, que é a terra da Lei de Gerson, o que não deixa de ser ao menos parcialmente verdade. A cidade, engastada em um dos locais mais privilegiados do planeta em matéria de relevo, meio-ambiente e clima, tem seríssimos problemas de organização de seus espaços urbanos e distribuição dos bens públicos. Não chega a ser Sodoma, mas um pouco de enxofre e fogo talvez não fizessem mal ao processo civilizatório. Especialmente se despejados no lombo de meia dúzia de políticos  e burocratas que se acham acima das leis e dos bons costumes.

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Obseve a foto aí em cima. Ela mostra algo que os cariocas nem enxergam mais: em frente ao prédio onde funciona a Secretaria de Segurança Pública, carros são estacionados sobre a calçada, obrigando os pedestres a utilizar a rua para se deslocar.

O incrível é que a nem todos os cidadão é facultado o direito de cometer essa infração. As vagas são controladas por flanelinhas fardados. São os soldados a serviço do comando do Segundo Exército, sediado no Palácio Duque de Caxias, que tomam conta dos veículos e organizam o acesso ao estacionamento-calçada. Só têm acesso às vagas altos oficiais do Exército e burocratas de alto coturno da SSP-RJ. E ai de quem reclamar. 

Na foto logo abaixo, outro flagrante desrespeito à legislação. Há 15 anos as normas de trânsito proíbem o transporte de passageiros nas condições que a fotografia registra. A vedação está prescrita no Art. 230 do Código de Trânsito Brasileiro e no decreto 2327/98 do DENATRAN. Mas não vale para a Polícia Militar do Rio de Janeiro. Na quinta-feira passada, duas camionetes lotadas de soldados do Batalhão de Choque costuravam o trânsito nas avenidas Atlântica e Princesa Isabel, em Copacabana, lotadas de soldados da corporação.

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Das duas, uma: ou o BPChoque não preza minimamente as normas, ou não preza as vidas dos PMs que transporta nessas condições. Uma coisa, no entanto, é inquesionável: a PM do Rio de Janeiro, que tem como uma de suas atribuições controlar e fiscalizar o trânsito, desconhece e despreza solenemente a legislação e não se importa em disseminar maus exemplos.