Pelo fim do PT

O PT já foi um partido importante para o avanço das instituições brasileiras. Oxigenou o cenário político nos anos 80 e 90 e abriu espaço para o surgimento de promessas como José Genoíno, José Dirceu e o próprio Lula. O malogro só viria em meados da primeira década do século presente.

Cueca

Hoje, no entanto, a legenda guarda muito pouca semelhança com os anos de idealismo que antecederam sua chegada ao Poder. A antiga cúpula está cumprindo pena por corrupção e outros crimes gravíssimos. As promessas desaguaram numa gigantesca frustração. Quem te viu, quem te vê. Foi contra isso que se levantou a população brasileira em junho de 2013.

Desde que passou a galgar postos na administração pública e a amealhar poder, o PT tem atuado como uma gigantesca máquina organizadora da corrupção. Logo nas primeiras denúncias apareceram indícios de que o falso-moralismo é gêmeo da violência. Celso Daniel pagou com a vida o atrevimento de se interpor entre os primeiros ladrões a serviço do partido e o butim. Toninho do PT foi pelo mesmo caminho. Testemunhas do primeiro caso morreram às pencas.

O PT tinha muito o que aprender com o escândalo do Mensalão. Não aprendeu nada. Enquanto seus dirigentes baixavam o xilindró, uma outra ala de bandidos cuidava de assaltar a Petrobras. E nas barbas do Palácio do Planalto, cuja acuidade visual é capaz de enxergar conspirações em tudo, menos onde o que está sendo fraudado é o dinheiro do contribuinte.

A máquina de corromper do PT é impressionantemente grande e coesa. Apenas terceirizadores da tunga, como os estafetas da Petrobras, desafiam a omertá partidária e contam os segredos de alcova engendrados em benefício das “causas” da agremiação.

O dinheirismo petista é tão desbragado que está pondo a perder aquela que já foi a maior empresa petrolífera do planeta. Mas o pior está ainda por vir. Para preservar as fontes espúrias de arrecadação, a cleptocracia engendrada pelos dirigentes comprometidos com a corrupção ameaça um bem ainda maior: a liberdade de expressão, que está na base da nossa jovem democracia. Tudo o que os gatunos petistas não querem é ver seus nomes relacionados com a roubalheira-meio-de-vida dessa agremiação.

Na Itália da Operação Mãos Limpas não foi diferente. O que o Ministério Público, a polícia e o Judiciário desvendaram foi uma estrutura partidária tão comprometida pela cultura da tunga que não se prestava mais para o cenário institucional. E por isso foi integralmente desfeita.

Os petistas não gostam de ouvir isso. Mas passou da hora de  começar a falar seriamente sobre a extinção desse partido. As metástases da corrupção já tomaram há muito todo o organismo, e não existe solução alopática para uma cultura que o tempo e a impunidade cuidaram de cronificar.

Dentro de uma nova estrutura, menos acostumada ao crime e ao atalho, talvez o petismo invente uma forma de se livrar da compulsão pela pilhagem. Os adversários dessa ideia dizem que a Itália não serve como paradigma de moralização da política porque a descontaminação da Operação Mãos Limpas pariu o monstro Berlusconi. E é verdade.

Talvez no Brasil os ecos do nosso status moral atual reabilitem um Collor, um Maluf. É um bom risco a correr. Talvez não. Certo, mesmo, é o que escreveu Augusto de Anjos em seus Versos Íntimos, com os quais encerro este post:

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

O PT, a moral da guerrilha e a cultura da delinquência

As notícias do envolvimento de petistas célebres com bandidos notórios — lobistas, doleiros, empresários picaretas — deixam claro que o partido aprendeu pouco ou nada com o escândalo do Mensalão. É triste constatar que a legenda, outrora aparentemente comprometida com a moralização da política, tenha se transformado nisso que é hoje.  E que nem o purgatório do cárcere imposto a sua cúpula (o STF e o MPF já chamaram a associação entre José Dirceu, Delúbios Soares, João Paulo Cunha e José Genoíno de quadrilha) foi capaz de dissuadir o ímpeto delinquente de gente como André Vargas e companhia. Enquanto os primeiro ardiam na fogueira do Supremo, os demais já armavam novos trambiques nos prédios vizinhos da Esplanada.

Whitebacked Vultures Feeding on a Carcass

Em 1999, em plena selva colombiana, ouvi de um dos comandantes das FARC uma afirmação que pode ajudar a entender em parte esse comportamento. Disse-me ele que as FARC tinham que sequestrar, extorquir e intermediar a venda de pasta-base de cocaína porque eram um exército insurgente, estavam em guerra contra o governo colombiano e não participavam do orçamento daquele País. Para implantar seu projeto de Estado, tinham que, de alguma forma, financiar as armas, a logística e a instrução de 20 mil homens embrenhados nas selvas. E aqueles eram os meios que lhes restavam.

Há que se reconhecer algumas semelhanças entre a lógica da guerrilha colombiana e a filosofia petista. Note-se o esforço desse partido para defender seus próceres nos múltiplos processos em que se viram envolvidos. A alegação de que petistas roubam não para si, mas para o partido, os equipararia aos guerrilheiros das FARC. É a isto que chamo de moral do guerrilheiro.

O problema é que o PT, ao contrário das FARC, não é um grupo insurgente, não está em guerra contra o Exército brasileiro e tem o controle do orçamento. Foi graças a isso, inclusive, que ele transformou a máquina pública em uma gigantesca máquina partidária — por meio do apadrinhamento, das indicações políticas e da supressão da meritocracia. 

Ocorre que, eventualmente, esse tipo de moral permite o surgimento colateral de episódios e circunstâncias como as que envolveram gente como Celso Daniel, Toninho do PT e, mais contemporaneamente, André Vargas e companhia limitada. Sobre os dois primeiros, pouco esclarecedoras são as circunstâncias de sua morte. Sobre o enroladíssimo André Vargas, aí está o exemplo da gente que se alia ao que há de pior no submundo do crime com o propósito vil de enriquecer, como fica claro na correspondência eletrônica trocada com o doleiro “irmão” Youssef. 

“Um gambá cheira o outro”, diz o sábio provérbio popular. É por isso que os assaltantes do patrimônio público, a despeito das diferenças semânticas e morais, tendem a se encontrar nas mesmas alcovas. A não ser pelos propósitos, não há distinção possível entre ladrões dos mesmos bens. Se uns roubam para o partido e outros, para si mesmos, ambos se equiparam na atitude delitiva, na intencão da tunga. 

Os escândalos da temporada ameaçam transbordar de seus primeiros protagonistas para algo muito maior. Fala-se agora que um ex-ministro indicou um executivo para o laboratório que serviu como cavalo de Tróia para o esquema Vargas-Youssef. Não vou citar seu nome porque ele negou peremptoriamente que tivessse qualquer coisa a ver com isso, embora a Polícia Federal tenha vazados conversas suspeitíssimas entre o doleiro e o até então poderosíssimo vice-presidente da Câmara dos Deputados envolvendo seu nome. É aguardar para ver — até porque a primeira atitude de todo bandido de colarinho branco é negar com veemência o que lhe é imputado.

Em outubro, a população vai às urnas para responder, entre outras coisas, se concorda com essa moral ou se prefere tentar uma alternativa ao roubo secular, que o PT ajudou a emulsificar com a sua mística. Talvez não seja esta a principal preocupação do País ainda. Mas que todos estão percebendo o cheiro da carniça, disso não há mais dúvida — caso contrário, as pesquisas não estariam a indicar o desejo de mudança de dois terços da população. Nem tanto pelo odor fétido da carniça em si — e sim porque ele indica a presença da matilha predadora, dos abutres e dos vermes que também se nutrem dela.