PT instrumentalizou STF. Qual é a novidade ?

Sobre a agonia no lance final do julgamento do processo do Mensalão pode-se dizer tudo: “tarde triste”, como disse o ministro Joaquim Barbosa, tarde vergonhosa como pensaram muitos, etc etc.  Menos que tenha sido uma tarde surpreendente. Porque o  processo que conduziu ao resultado de ontem — a absolvição do crime de formação de quadrilha dos réus do Mensalão — vinha sendo preparado há muito tempo — e com maestria — pelo governo petista com a instrumentalização paulatina da suprema corte do País. 

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No cerne dessa estratégia esteve a substituição de nomes de julgadores íntegros como os ex-ministros Ayres Britto e Cezar Peluso por outros comprometidos com as lides petistas — caso de Teori Zavascky e Luis Barroso, dois entes estranhos à composição do plenário que iniciou o julgamento da AP-470. Com a chegada de ambos, não apenas a composição política do Pleno do STF, mas sobretudo o perfil doutrinário foi drasticamente alterado para que se chegasse ao resultado a que se chegou na sessão desta triste quinta-feira.

A tática não é estranha aos países do chamado Eixo Bolivariano — Venezuela, Equador, Bolívia, Argentina e agora o Brasil. Foi por meio dela, por exemplo, que o tribunal constitucional de Caracas permitiu o adiamento da posse de Hugo Chavez quando este, moribundo, padecia em Cuba do câncer que terminou por matá-lo. Inventou-se uma norma para aplainar o caminho de Maduro até a presidência da Venezuela.

A decisão, anunciada pela presidente do tribunal constitucional Luisa Estella Morales (uma espécie de Luis Roberto Barroso de saia) contrariou o que está expresso no texto da constituição venezuelana, que manda realizar novas eleições em caso de impedimento permanente do candidato vitorioso nas eleições. 

No Equador, Rafael Correa tem usado o Poder Judiciário para penalizar jornalistas que lhe são críticos. Caso notório foi a condenação a três anos de prisão de três profissionais do jornal El Universo e a aplicação de uma multa estratosférica de US$ 40 milhões pela publicação de um texto que chamava Correa de “assassino de lesa humanidade”. Depois, reconhecendo o exagero da sentença, o próprio Rafael Correa “perdoou” o jornal e os jornalistas.

Na Argentina, um processo muito parecido com o que ocorreu no Brasil permitiu à presidente Cristina Kirshner impor a chamada Ley de Medios, um dos fetiches da esquerda brasileira, que tem por objetivo restringir a liberdade de imprensa e, por conseguinte, amainar as críticas que o governo recebe com hostilidade beligerante.

Não por acaso a América Latina vive hoje um paradoxo claro: a despeito de nunca ter havido um bloco tão expressivo numericamente de países democráticos ,  a democracia ainda incipiente é considerada um bem político de pouco valor — e, por esta razão, frágil. São “democracias de eleitores”, muito distantes ainda de uma “democracia de cidadãos”, na avaliação do Programa da Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

O resultado do julgamento do Mensalão, portanto, foi uma construção tática com o mesmo propósito de movimentos semelhantes ao largo do continente. Teve por objetivo enquadrar o Supremo Tribunal Federal como instrumento da realpolitik e nisso foi muito bem-sucedido. Não houve surpresa.

Afinal, o que estava em discussão não era fazer o que é certo ou o que é justo, consolidar ou aprimorar as instituições democráticas.  Era fazer o que é melhor para uma facção política. — e, com isso, os petistas não brincam.

Vai uma cervejinha aí, STF ?

 A Federação Nacional de Distribuidores de Cerveja acaba de protocolar uma ação no Supremo Tribunal Federal que escancara aquele que talvez seja o maior problema do Poder Judiciário: a lerdeza extrema. O caso, por si só, é capaz de demonstrar de maneira cabal o axioma de Ruy Barbosa segundo o qual “Justiça tardia nada mais é do que injustiça institucionalizada” .

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A ação, patrocinada pela advogada internacionalista Maristela Basso,  é uma arguição de descumprimento de preceito fundamental. No cerne do problema, um caso que envolve os interesses de 277 mil pessoas, de 2500 empresas e que já percorre os labirintos intrincados da burocracia judiciária há mais de uma década.

A história começa no dia 1 de julho de 1999, quando as empresas Brahma e Antártica decidiram se fundir em um só conglomerado e passaram a ser controladas pela AMBEV. O negócio foi aprovado pelo CADE m março do ano seguinte. Uma das condições impostas para a aprovação era a de que funcionários, representantes e outros agentes não fossem prejudicados.

Naquele mesmo mês os antigos distribuidores dos produtos Antárctica já iniciavam sua longa jornada de denúncias judiciais e administrativas contra práticas comerciais abusivas da AMBEV. Rapidamente,  suas cotas foram redirecionadas para outros distribuidores. Dizem que foram literalmente “expulsos” do mercado. Tiveram que fechar suas empresas e demitir funcionários.  Muitos enfrentaram privações terríveis. Há vários registros de depressão, anorexia nervosa e surtos de pânico. Houve pelo menos um caso de suicídio em meio a um intrincado processo de falência.

Sob pressão da opinião pública e criticada por vários parlamentares, a AMBEV decidiu propor unilateralmente um acordo por meio do qual se obrigava a indenizar seus antigos distribuidores com base em um programa de simulação do valor das perdas. O acordo foi assinado em agosto de 2002. Mas jamais foi cumprido. Três anos mais tarde, em 2005, já esgotados financeiramente, os ex-distribuidores ingressaram com uma ação civil pública contra a AMBEV. Foi o começo da barafunda judicial que até hoje não terminou. 

O processo foi protocolado na Justiça Federal no dia 9 de setembro de 2005. Mas a primeira sentença tardaria ainda inacreditáveis três anos — só ocorreu em 10 de outubro de 2008. Foi desfavorável à AMBEV, que decidiu recorrer. O TRF da Terceira Região, pasme, demorou quatro longos anos para julgar a admissibilidade do recurso — e decidiu não conhecê-lo. E assim, de recurso em recurso, até hoje os ex-distribuidores não conseguiram receber um centavo sequer das indenizações oferecidas pela AMBEV.

A advogada Maristela Basso, que os representa, fica indignada com o tempo que o Judiciário demanda para, a rigor, engabelar seus clientes. Para ela, não basta a esse Poder oferecer portas de entrada para que o cidadão possa tentar fazer valer seus direitos. O problema é que não há “portas de saída, situação anômala que compromete a efetividade do processo”.

Mas não é apenas isso. Um Estado que priva cidadãos de receber o que lhes é devido por exercícios de procrastinação do Poder Judiciário é ente que quedou genuflexo diante da força e dos músculos dos gigantes econômicos. É o caso desse capítulo feio envolvendo a AMBEV, que destroçou a vida desses empresários, de todos os seus empregados e depois, sob as bênçãos de órgãos administrativos como CADE, se negou, por quase quinze anos, a restituir aquilo que ela mesma se dispôs a fazer.

Que saudade do Ayres Britto!

Se ele estivesse lá, a conversa seria outra.
Se ele estivesse lá, a conversa seria outra.

É quase certo que os mensaleiros vão ganhar uma segunda chance de reverter as penas que lhes foram aplicadas no primeiro julgamento do STF. Abre-se a brecha também da prescrição, sinônimo de impunidade. A menos que esteja construindo uma trama digna de “Amor à Vida”, o decano do Supremo, Celso de Mello, vai fechar a porta do cárcere para que os condenados não possam entrar. Será a vitória do ‘garantismo’ e da chicana contra a lei e o justo desejo da população de ver quem lhe assalta pagar pelo que fez.

Caso o enredo se confirme, o tribunal constitucional vai cumprir seu desiderato: a despeito da prisão de um ladrão de galinhas da política, o deputado-presidiário Natan Donadon, abandonará o ponto de inflexão (o ponto fora da curva do Ministro Luis Roberto Barroso) para se colocar novamente como guaridão da chicana, dos recursos que eternizam processos e da impunidade. É o que está em questão neste momento: A guarda da ‘tradição’, que nisso pode ser resumida.

O que fará, depois disso, o promotor de justiça obrigado a denunciar um punguista por ter furtado a carteira de alguém ? Ou o juiz singular em face de um pequeno traficante ? Que respeito terá o criminoso por um Judiciário que busca num regimento a salvaguarda para afrontar a lei ? Que desenterra instrumentos proscritos, banidos da legislação, para tirar da cadeia os ladrões da política ? Ou o soldado faminto diante da oferta de uma ‘cervejinha’ em troca da chave das algemas ?

A decisão a cargo do Ministro Celso de Mello não diz respeito apenas ao destino dos quadrilheiros do PT e adjacências. Ela representará um marco, um divisor de águas, entre o futuro que o País almeja e a eternização desse paradigma ainda imperial, em que a certas elites tudo é permitido.

A desmoralização da Corte antevista pelo ministro Marco Aurélio de Mello não será o único problema. Ela representará também a desmoralização do País. Será uma frustração enorme e ficará eternizada como símbolo da perfeita sintonia entre Poderes que ora franqueiam jatinhos para que autoridades façam viagens de turismo com suas famílias, ora anistiam politicamente condenados com sentença transitada em julgado, ora absolvem quem se vale de lobistas para pagar a pensão alimentícia.

A maior estranheza, no entanto, é que esse futuro maculado vai sendo construído pela mesmo instituição que há apenas um ano parecia estar na iminência de assumir o papel de redentor da cidadania. Que ficava com o ‘domínio do fato’ em detrimento do garantismo.

O que mudou de lá para cá ? Dois nomes, apenas dois nomes: Teori Zavascky e Luis Roberto Barroso.

Que saudade do Ministro Ayres Britto!

(Por Fábio Pannunzio)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Reinaldo Azevedo: Félix, o ‘novato’ do STF

barrosoefelixNesta quinta, Barroso desempenhou um papel um tanto melancólico no Supremo. Já tem uma boa coleção de vexames para vida tão curta na Casa (ainda chego lá). Nesta quinta, ele se excedeu. Acusou os que não votam como ele de aderir ao casuísmo e sugeriu que estão preocupados com as multidões, não em fazer justiça. E o fez num ambiente em que, de modo oblíquo, demonizou também a imprensa. Eu ouvia ali o eco das hostes petistas. Se Delúbio Soares fosse jurista, seria como Barroso. Se Barroso fosse sindicalista, seria como Delúbio Soares. Recebeu uma dura e necessária resposta de Marco Aurélio. Mas quero fazer algumas considerações antes de dar sequência a essa questão. Nota à margem: já escrevi sobre esse truque de criticar a imprensa para se blindar. “Seu eu falar mal deles, tentam provar que estou errado e me ignoram.” Pois é. Em muitos casos, funciona. Faço diferente. Quando um homem público fala mal da imprensa, tento provar que ele está certo na espécie, demonstrando por que ele não gosta muito de jornalistas…

Quando Barroso foi indicado ministro, resolvi ler um livro seu. Escolhi “O Novo Direito Constitucional Brasileiro”. Sempre que alguém se jacta de ser porta-voz do “novo”, eu — que, como toda gente, estou no mundo velho (ou alguém já vive o futuro?) — me interesso em saber onde está a novidade. Com alguma frequência, verifico que o que se diz novo não é bom e que o que se pensa bom, na verdade, não é novo. Mas eu estou sempre pronto para o surgimento de vanguardistas como Barroso. Li seu livro e escrevi vários posts a respeito antes mesmo de ele assumir. Os leitores que acompanharam sabem por que não gostei. Os motivos estão lá expostos. Alguns leitores disseram que eu estava sendo precipitado. Como haveria tempo de ele demonstrar que eu poderia estar errado, publiquei o que me desagradava. Até agora, fui apenas premonitório… Pareceu-me, como síntese brevíssima de uma penca de restrições, que Barroso é capaz de exaltar as glórias da tradição quando isso é do seu interesse e de esconjurá-la como expressão do atraso e do reacionarismo quando isso também é do seu interesse. Pareceu-me que ele pode oscilar de um literalismo aborrecido e estreito à interpretação mais lassa dos textos legais. E o que determina o apelo a um extremo ou a outro? Eis a questão.

Confesso que fico sempre com um pé atrás quando um juiz ou um professor de direito ataca o “legalismo”. Nada me tira da cabeça de que se trata de um rompante fora do lugar, porque, parece-me, a determinação de forçar os limites legalmente estabelecidos cabe aos agentes sociais. Um juiz não pode ser militante de uma causa que não seja a da lei. Não raro, os críticos severos do legalismo acenam com um mundo bem mais perigoso, que é o do arbítrio e o da idiossincrasia.

De volta ao caso
Depois de um voto sereno e técnico da ministra Cármen Lúcia; de um não menos técnico, mas muito contundente de Gilmar Mendes, Barroso resolveu pedir um aparte a Marco Aurélio, que também demolia a tese da sobrevivência dos embargos infringentes. E deu início a uma catilinária que, lamento dizer, era nada mais nada menos do que a voz das hostes petistas levadas ao tribunal, até nas críticas indiretas que dirigiu à imprensa. A exemplo dos “companheiros”, parece que o ministro não tem em grande conta o jornalismo — ainda que revele, no tal livro, já ter apelado a favores de conhecidos seus na área (mas deixo isso pra lá agora). Como toda catilinária, esta também era contra alguém — o seu “Catilina” eram todos aqueles que não votaram como ele. Mas Barroso não tem a modéstia de Cícero — por que teria, não é? Assim, aproveitou o ensejo — e isso não é nada raro em suas intervenções, também as por escrito — para se elogiar.

Ao demonstrar como é consciencioso, sério, corajoso e honesto, sem que tivesse sido acusado por Marco Aurélio de coisa nenhuma, disparou:
“Como quase tudo que faço na vida, faço o que considero certo. Sou um juiz que me considero pautado pelo que é certo, correto. O que vai sair no jornal do dia seguinte não faz diferença para mim (…). Fico muito feliz quando uma decisão do tribunal constitucional coincide com a opinião pública. Mas, se o resultado não for (coincidente), aceito a responsabilidade do meu cargo. Não julgamos para a multidão, julgamos pessoas.”

Ulalá! Na quarta-feira, ao ler o seu voto, não teve dúvida em classificar de “casuísmo” — nada menos! — a rejeição dos embargos infringentes, acusação repetida nesta quinta, com outras palavras. Com mais um pouco de entusiasmo, o ministro lastimaria mais as multidões e o povo do que o Félix da novela quando entra em boteco de pobre. Perdeu a medida. É evidente que, por contraste, acusava, então, aqueles que dele divergiam de estar preocupados apenas “com o que vai sair no jornal no dia seguinte”. Ao fazer tal observação, alinha-se com os brucutus que saem por aí tentando invadir órgãos de imprensa, acusando-os de ser parciais. É o mesmo espírito. Agride também, é evidente, a independência de seus colegas. Ocorre, meus caros, que esse texto de Barroso tem copyright; esse texto é de José Dirceu, é de Rui Falcão, é de Lula; é de Delúbio Soares. Ora… Quem dizia ser surdo à voz da multidão? Barroso? Justo ele? Direi daqui a pouco a razão do meu espanto meramente retórico.

EU, COMO POUCOS, JÁ REPUDIEI JUÍZES QUE OUVEM MULTIDÕES. MAS EU EXECRO AINDA MAIS OS QUE OUVEM OLIGARQUIAS. EU SÓ RESPEITO JUÍZES QUE OUVEM AS LEIS.

Marco Aurélio mandou brasa:
“Vejo que o novato parte para a crítica ao próprio colegiado, como partiu em votos anteriores, no que chegou a apontar que, se estivesse a julgar, não decidiria da forma mediante a qual decidimos. Estimado amigo Luís Barroso, nós precisamos nos completar. (…) Não respondi a Vossa Excelência sobre a crítica que, para mim, não foi velada, foi uma crítica direta, porque achei que não era bom para a instituição a autofagia. (…) Vossa Excelência [referindo-se a Barroso] elogiou um dos acusados”.

Marco Aurélio se referia a um dos momentos mais constrangedores da história do Supremo, quando o novo ministro, ao simplesmente recusar um embargo de declaração da defesa de José Genoino, cantou as glórias de alguém condenado por corrupção ativa e formação de quadrilha; que foi um dos principais protagonistas de um dos capítulos mais vergonhosos da história do país. Ele que elogie quem quiser. Que crie uma página na Internet para fazer seus panegíricos e confessar seus gostos (Taiguara, por exemplo). Que reúna os amigos num bar — longe da multidão, claro! — para expressar os seus afetos. Fazer, no entanto, o elogio a um condenado por crimes tão graves, por mais meritório que tivesse sido o passado deste (com o que não concordo, deixo claro!), é um acinte, um disparate, uma vergonha. CERTAMENTE O MINISTRO BARROSO NÃO ESTAVA FALANDO PARA SER OUVIDO PELAS MULTIDÕES. A QUEM FALAVA BARROSO QUANDO EXALTOU AS VIRTUDES DO CHEFÃO PETISTA?

Coragem?
Em tribunal em que estão Gilmar Mendes e Marco Aurélio, bater a mão no peito, quando se é Barroso, para dizer que não teme a multidão é prepotência imprudente, como todas. Alguém já viu um desses dois com medo do que vão dizer os jornais, as ruas ou as gangues organizadas na Internet? Ambos já passaram muitas vezes pelo corredor polonês da desqualificação por votar de acordo com o que consideram correto. A independência do “novato” ainda está por ser testada. No Brasil, quando se ocupa determinadas posições de poder, ser “independente” da “multidão” é até fácil; duro mesmo é ser independente dos oligarcas.

Vexames
Barroso fala sempre num tom bastante professoral e parece que bebe diretamente da fonte da sapiência. Mas lhe foi dado ter uma grande ideia no Supremo, e ele, na prática, criou a figura do parlamentar-presidiário sob o pretexto de preservar a competência das Casas Legislativas para cassar seus respectivos membros. Cometido o erro, resolveu corrigi-lo com uma liminar que merece a qualificação de patética: não apenas interferiu, então, num Poder que ele dizia imune ao juízo da Corte nesse particular, como tentou firmar a máxima de que só estariam cassados os mandatos daqueles cuja pena excedessem o que lhes sobrasse de tempo como representantes do povo — criação batizada pelo ministro Gilmar Mendes de “mandato-salame”. Sobra-lhe de imprudência retórica o que lhe falta de prudência técnica.

De volta ao povo
Estou aqui com o seu livro, todo anotado, aberto na página 131. Aquele seu ataque de Félix em boteco de pobre não se ancora no que escreve (ou, então, se ancora, mas de um modo muito particular). O homem que não é reverente a multidões, sugerindo que esse é um mal que atinge seus pares avessos aos infringentes escreve isto:

“O pós-positivismo [e ele ser quer um pós-positivista, tá, leitor?] é uma superação do legalismo não com recurso a ideias metafísicas ou abstratas, mas pelo reconhecimento de valores compartilhados por toda a comunidade. Esses valores integram o sistema jurídico, mesmo que não positivados em um texto normativo específico. (…) Além dos princípios tradicionais como Estado de Direito democrático, igualdade e liberdade, a quadra atual vive a consolidação do princípio da razoabilidade e o desenvolvimento do princípio da dignidade da pessoa humana”.

Parece que o professor Barroso acha que a “comunidade” tem algo a ensinar ao direito e aos juízes, não e mesmo? Parece que, também no voto sobre os embargos infringentes, ele deveria ter atentado para a questão da razoabilidade…

Ocorre, e já vou começando a concluir, que Barroso tem uma visão muito particular de “multidão” ou, quem sabe?, de opinião pública. O patrocinador das causas do aborto de anencéfalos, da união civil de homossexuais e da permanência no Brasil do terrorista Cesare Battisti (sempre contra o disposto em textos legais, é bom que se diga) parece disposto a acatar não “os valores compartilhados por toda a comunidade”, como escreve, mas aqueles compartilhados por grupos de pressão, que se pretendem a vanguarda do progressismo. A “multidão”, ele despreza como expressão do senso comum e do vulgo (o boteco em que Felix não bebe nem água). Já esses grupos de pressão seriam, sei lá, como forças a educar esse povo xucro que ousa falar em Justiça.

Em suma: ainda falta um povo à altura do ministro Barroso.

Por Reinaldo Azevedo

Nota do editor: o título original deste post, como pode ser lido na fonte, é “Ainda não temos um povo à altura do ministro Barroso. Ou: A impressionante coleção de vexames do “novato”

Josias de Souza: Após dar um salto, STF flerta com o descrédito

josiasthumbNunca antes na história de sua existência centenária o Supremo Tribunal Federal foi tão respeitado pelo contribuinte como hoje. No julgamento do mensalão, o tribunal fez o que todos imaginavam que jamais seria feito no Brasil: igualou o criminoso graúdo ao pobre-diabo.

Depois de corrigir a cegueira, regular a balança e afiar a espada, o STF decidiu desafiar a sorte. Por cinco votos contra cinco está empatada a votação que poderá representar o casamento do Supremo com a glória ou sua reconciliação com o descrédito.

Na sessão desta quinta-feira, quem melhor resumiu a cena foi Marco Aurélio Mello: “Sinalizamos para a sociedade brasileira a correção de rumos, visando um Brasil melhor. Cresceu o Supremo como órgão de cúpula do Judiciário junto aos cidadãos. Mas estamos a um passo, ou melhor a um voto de desmerecer a confiança que no Supremo foi depositada.”

Voltando-se para o colega Celso de Mello, Marco Aurélio cutucou: “Que responsabilidade, ministro!” É do decano do STF o voto que decidirá se os mensaleiros vão para a cadeia imediatamente ou se terão direito de interpor um derradeiro recurso –o embargo infringente—, que pode levar à redução de penas e até à prescrição.

“A repercussão que isso terá é incomensurável”, lamuriou-se Gilmar Mendes. Num chiste, Marco Aurélio insinuou que o Supremo está prestes a entrar na linha de tiro das ruas: “Vossa excelência fique tranquilo, ministro Gilmar, porque eu soube que os vidros do plenário foram blindados.”

Se a votação está empatada é porque o tribunal se dividiu quanto ao nó da questão: são cabíveis os recursos modificativos contra decisões do plenário do STF, espécie de Olimpo do Judiciário? Os partidários do ‘não’ dispõem de argumentos bastante  ponderáveis. O principal deles, exposto pela ministra Cármem Lucia e esmiuçado por outros colegas é o de que o STF passaria a ser o único tribunal superior a admitir os tais embargos infringentes. O STJ, onde são julgados, entre outros, os governadores de Estado, não os admite. No dizer de Marco Aurélio, “o sistema não fecha”.

Se é assim, pergunta a plateia aos seus botões, por que diabos a maioria dos ministros não opta pela solução mais lógica? Gilmar Mendes foi ao ponto: “Só há duas explicações possíveis para que as provas sejam reanalisadas pelo mesmo órgão julgador, ambas graves. Ou o trabalho custoso do já sobrecarregdo plenário é inútil ou joga-se com a odiosa manipulação da composição do tribunal”. E Marco Aurélio: “Talvez já não tenhamos o mesmo tribunal.”

Em debates como esse, a entrelinha por vezes grita mais do que a linha. O que Gilmar e Marco Aurélio disseram –sem declarar explicitamente— foi que os últimos ministros enviados por Dilma Rousseff ao Supremo deram ao plenário uma fisionomia mais, digamos, simpática aos mensaleiros.

Para usar expressões caras ao recém-chegado Luís Roberto Barroso: um julgamento que ficou “fora da curva” pode agora ser puxado para dentro da curva. Gilmar deu nome e sobrenome ao problema: José Dirceu. “O pano de fundo é a afirmação de que houve exasperação de penas. E o exemplo citado é a pena de 2 anos e 9 meses aplicada a José Dirceu no crime de quadrilha.”

Noutro julgamento recente, o do senador Ivo Cassol (PP-RO), Roberto Barroso e Teori Zavaschi alteraram com seus votos a maioria que se havia formado no julgamento do mensalão nas condenações por formaçõ de quadrilha. Com isso, o STF serviu a Cassol um refresco que, se forem aceitos os embargos infringentes, poderá ser estendido a mensaleiros como Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino..

Gilmar iluminou a incongruência. No caso do deputado-presidiário Natan Donadon, os desvios foram de R$ 8 milhões e o pedaço da sentença relativo à formação de quadrilha somou 2 anos e 3 meses. No escândalo do mensalão, disse Gilmar, os desvios foram de R$ 170 milhões, e a pena de quadrilha imposta ao “chefe” Dirceu foi de 2 anos e 9 meses. Comparando um caso com o outro, arrematou Gilmar, o episódio Donadon deveria ser analisado por um “Juizado de Pequenas causas.”

Afora o desafio ao bom senso, a aceitação dos embargos infringentes forçaria o STF a admiti-los em todas as outras ações penais que já tramitam nos seus escaninhos. Marco Aurélio injetou na sessão uma dose de realismo fantástico:

“Só eu tenho mais de 200 [processos] na fila do plenário, aguardando espaço na pauta. Tenho um processo que liberei há mais de dez anos para julgamento. E isso é uma frustração para o julgador. Há alguma coisa errada. Mas queremos ficar com o disco arranhado na mesma faixa.” É contra esse pano de fundo que metade do STF votou pelos aceitação dos embargos infringentes.

Dono do voto que irá definir a parada na próxima quarta-feira, Celso de Mello deveria trocar no final de semana os compêndios jurídicos por um bom livro. Chama-se “Why Things Bite Back”. O autor é Edward Tenner. Há uma boa tradução para o português (“A Vingança da Tecnologia”, editora Campus, 1997). Tem 474 páginas.

A parte que mais interessa às togas do Supremo vai da página 22 à 25. Conta a experiência do major John Paul Stapp. Médico e biofísico, Stapp foi selecionado pela Força Aérea dos EUA como cobaia de testes para medir a resistência humana a grandes acelerações. Desafiou a velocidade pilotando um trenó com propulsão de foguete.

Em 1949, Stapp bateu o recorde de aceleração. Não conseguiu, porém, festejar o feito. Os acelerômetros do trenó-foguete não funcionaram. Desolado, Stapp encomendou ao engenheiro que o ajudava, o capitão Edward Murphy Jr., diligências para identificar a falha. Ele descobriu que um técnico ligara os circuitos do veículo ao contrário.

No relatório em que informa sobre a barbeiragem, o capitão Murphy Jr. anotou: “Se há mais de uma forma de fazer um trabalho e uma dessas formas redundará em desastre, então alguém fará o trabalho dessa forma”. Em entrevista a jornalistas, o major Stapp batizou de “Lei de Murphy” o diagnóstico do auxiliar. Resumiu-o assim: “Se alguma coisa pode dar errado, dará”.

Aplicada ao caso dos embargos infringentes, a “Lei de Murphy” ajuda a entender a atmosfera descrédito que ameaça o STF. Podendo decidir de duas maneiras, Celso de Melo insinua que votará junto com a metade do Supremo que preferiu ligar os fios do julgamento do mensalão ao contrário.0

(Por Josias de Souza, no Blog do Josias)