Vai uma cervejinha aí, STF ?

 A Federação Nacional de Distribuidores de Cerveja acaba de protocolar uma ação no Supremo Tribunal Federal que escancara aquele que talvez seja o maior problema do Poder Judiciário: a lerdeza extrema. O caso, por si só, é capaz de demonstrar de maneira cabal o axioma de Ruy Barbosa segundo o qual “Justiça tardia nada mais é do que injustiça institucionalizada” .

ambev

A ação, patrocinada pela advogada internacionalista Maristela Basso,  é uma arguição de descumprimento de preceito fundamental. No cerne do problema, um caso que envolve os interesses de 277 mil pessoas, de 2500 empresas e que já percorre os labirintos intrincados da burocracia judiciária há mais de uma década.

A história começa no dia 1 de julho de 1999, quando as empresas Brahma e Antártica decidiram se fundir em um só conglomerado e passaram a ser controladas pela AMBEV. O negócio foi aprovado pelo CADE m março do ano seguinte. Uma das condições impostas para a aprovação era a de que funcionários, representantes e outros agentes não fossem prejudicados.

Naquele mesmo mês os antigos distribuidores dos produtos Antárctica já iniciavam sua longa jornada de denúncias judiciais e administrativas contra práticas comerciais abusivas da AMBEV. Rapidamente,  suas cotas foram redirecionadas para outros distribuidores. Dizem que foram literalmente “expulsos” do mercado. Tiveram que fechar suas empresas e demitir funcionários.  Muitos enfrentaram privações terríveis. Há vários registros de depressão, anorexia nervosa e surtos de pânico. Houve pelo menos um caso de suicídio em meio a um intrincado processo de falência.

Sob pressão da opinião pública e criticada por vários parlamentares, a AMBEV decidiu propor unilateralmente um acordo por meio do qual se obrigava a indenizar seus antigos distribuidores com base em um programa de simulação do valor das perdas. O acordo foi assinado em agosto de 2002. Mas jamais foi cumprido. Três anos mais tarde, em 2005, já esgotados financeiramente, os ex-distribuidores ingressaram com uma ação civil pública contra a AMBEV. Foi o começo da barafunda judicial que até hoje não terminou. 

O processo foi protocolado na Justiça Federal no dia 9 de setembro de 2005. Mas a primeira sentença tardaria ainda inacreditáveis três anos — só ocorreu em 10 de outubro de 2008. Foi desfavorável à AMBEV, que decidiu recorrer. O TRF da Terceira Região, pasme, demorou quatro longos anos para julgar a admissibilidade do recurso — e decidiu não conhecê-lo. E assim, de recurso em recurso, até hoje os ex-distribuidores não conseguiram receber um centavo sequer das indenizações oferecidas pela AMBEV.

A advogada Maristela Basso, que os representa, fica indignada com o tempo que o Judiciário demanda para, a rigor, engabelar seus clientes. Para ela, não basta a esse Poder oferecer portas de entrada para que o cidadão possa tentar fazer valer seus direitos. O problema é que não há “portas de saída, situação anômala que compromete a efetividade do processo”.

Mas não é apenas isso. Um Estado que priva cidadãos de receber o que lhes é devido por exercícios de procrastinação do Poder Judiciário é ente que quedou genuflexo diante da força e dos músculos dos gigantes econômicos. É o caso desse capítulo feio envolvendo a AMBEV, que destroçou a vida desses empresários, de todos os seus empregados e depois, sob as bênçãos de órgãos administrativos como CADE, se negou, por quase quinze anos, a restituir aquilo que ela mesma se dispôs a fazer.