Fernando Rodrigues: 57% dos brasileiros apoiam maconha medicinal

A legalização da venda da maconha para fins medicinais, com a apresentação de uma receita médica, é defendida por 57% dos brasileiros, segundo levantamento da empresa Expertise.

Iniciativas mais radicais, como a legalização para uso recreativo, adotada pelo Uruguai, não têm apoio dos brasileiros. Segundo a pesquisa, apenas 19% dos entrevistados são favoráveis à liberação total da erva.

An Initiative To Legalize Marijuana In California To Appear On Nov. Ballot

A maconha deve continuar totalmente proibida para 37% dos entrevistados e 6% não têm opinião formada sobre o tema. Foram realizadas 1.259 entrevistas online nos dias 24 a 27.jan.2014 e a margem de erro é de 2,8 pontos percentuais. Os entrevistados são selecionados a partir de uma base de dados da empresa com informações sobre endereço, idade e sexo e convidados a responder o questionário por e-mail, em troca de prêmios.

O apoio à venda da Cannabis sativa apenas para fins medicinais está em sintonia com a experiência de 21 Estados norte-americanos que regulamentaram o comércio da substância nessas condições. Médicos afirmam que a erva pode aliviar sintomasde diversas doenças, como AIDS, câncer e esclerose múltipla.

O temor popular de que experimentar a maconha uma vez condena o usuário ao vício não se confirma, segundo a pesquisa. Entre os entrevistados, 26% disseram ter usado a erva pelo menos uma vez na vida, dos quais 83% não a fumam mais atualmente. Apenas 4% dos que já fumaram um baseado –ou 1% da população total– disseram fazer uso diário da droga.

Em 2013, a Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) divulgou um estudo com resultados distintos dos apresentados pela Expertise. Segundo essa pesquisa, feita presencialmente com 4.607 indivíduos, 7% dos brasileiros afirmaram já ter usado maconha. O estudo da Unifesp também aponta que 75% dos brasileiros eram contrários à legalização da maconha, mas o questionário não diferenciava o uso medicinal do recreativo.

Há 2 semanas, o Senado começou a discutir uma proposta que legaliza o consumo da maconha para todas as finalidades. A iniciativa partiu de um gestor da área da saúde, que publicou o texto no site do Senado e obteve apoio de 20 mil pessoas. O senador Cristovam Buarque (PDT-DF), relator da proposta, disse não ter “simpatia” nem “preconceito” a respeito da legalização, mas afirma que o Congresso não pode se negar a discutir o tema.

Percepções

Os brasileiros que já experimentaram a maconha são mais otimistas em relação aos seus efeitos sobre a saúde do que os que nunca fumaram. Há um fosso entre as percepções dos 2 grupos, segundo a pesquisa da Expertise.

A droga é “muito prejudicial, com total chance de vício” na opinião de 85% dos que nunca fumaram maconha. Entre os que já usaram a droga, essa taxa cai para 15%.

Entre os que nunca experimentaram a erva, 83% apoiam a sua criminalização total. No grupo dos que já fumaram um baseado, apenas 17% defendem que seu uso continue proibido.

Considerando os brasileiros que não usaram a erva, 40% a consideram menos prejudicial do que o álcool. Entre os que já a experimentaram, a taxa é de 60%.

Os resultados da pesquisa da Expertise não devem ser entendidos como uma guinada liberal do brasileiro em relação a todas as drogas. Segundo pesquisa Datafolha de 2013 sobre o perfil ideológico da população, 83% avaliam que o uso de drogas deve ser proibido, pois “prejudica toda a sociedade”.

O levantamento da Expertise, contudo, identifica uma maior abertura ao debate sobre a legalização da maconha para uso medicinal.

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Maconha pelas razões erradas, por Hélio Schwartsman

É claro que cada um é livre para defender o que achar melhor, mas devo dizer que algo me incomoda na estratégia de grupos de ativistas de pressionar pela legalização da maconha com base em suas propriedades medicinais.

Não me entendam mal. Sou pela legalização não só da maconha como de todas as drogas. É fato ainda que a Cannabis apresenta várias moléculas de interesse médico, que deveriam ser exploradas clinicamente.

maconhamedicinal

O que não me parece muito certo na tática escolhida é que ela aposta na corrosão das normas e não em sua modificação, como seria mais honesto. Foi este o caso de alguns Estados norte-americanos, que passaram a admitir o uso de maconha em contexto médico e logo viram surgir uma indústria de consultas com profissionais de saúde cujo único intuito era encontrar uma “moléstia” que justificasse a emissão da carteirinha de usuário para qualquer um que desejasse. Com ela, o paciente poderia comprar a erva para tratar quase tudo, de dor nas costas a caquexia.

Não gosto desse caminho por várias razões. A mais trivial é que ele contribui para esvaziar a própria noção de lei. Apesar da miríade de normas estúpidas que assola o mundo, a ideia de que a sociedade pode impor regras que valem para todos os membros ainda é fundamental.

Também me parece ruim associar a maconha com remédio. Isso pode fazer com que se perca de vista que se trata de uma droga, ou seja, que vem com uma porção de efeitos colaterais que podem ser danosos.

Mais importante, a estratégia de comer pelas beiradas faz com que as pessoas deixem de travar o bom combate. Ao circunscrever o debate da legalização apenas à maconha e pelas razões erradas, perde-se a oportunidade de formular o argumento essencial, a saber, que o Estado não tem legitimidade para decidir o que um cidadão, de posse das informações relevantes e sem prejudicar terceiros, pode fazer consigo mesmo.

helio@uol.com.br

Leia o texto no site da Folha de São Paulo, onde foi originalmente publicado