Nichos de incompetência, burocracia e preguiça ainda grassam no Judiciário. A despeito do advento do CNJ e dos esforços que têm sido empreendidos para melhorar o atendimento à população, há núcleo de funcionários que ainda criam regras e adotam comportamentos cujo único objetivo é o de prejudicar o cidadão que depende de seus serviços.
Tente, por exemplo, obter uma autorização para menor viajar desacompanhado na Vara da Infância e Juventude do Fórum João Mendes, em São Paulo. Você vai ver que delícia é defrontar-se com a lassidão e a má-vontade de um grupo de pessoas pagas com o seu dinheiro para, em tese, servi-lo quando você necessitar.
A dificuldade começa já na compreensão da norma legal. Crianças com 12 anos de idade ou mais são consideradas “maiores de idade”. Podem viajar por todo o País desacompanhadas e prescindem de autorização de quem quer que seja para embarcar. Suspeito que deve haver alguma relação entre isso o fato de incidir justamente nessa faixa etária , que vai dos 12 aos 18 anos de idade, o maior número de desaparecimentos de pessoas no País. Mas isso é mera suposição.
Não te parece engraçado que uma simples autorização dos pais, de próprio punho, seja suficiente para que uma criança viaje para fora do País, ao passo em que é necessário que um juiz autorize o embarque para destinos dentro do Brasil ?
De acordo com o CNJ, não. “A saída de uma criança do país é mais facilmente monitorada. Já a locomoção dela sem a companhia de um “responsável” , dentro do país, poderia gerar uma maior quantidade de desaparecimento. Daí a preocupação do legislador em submeter à autorização para uma criança (não adolescente) viajar dentro do país ao crivo do juiz. Seria uma dupla proteção”, é o que declarou ao Blog Acta Diurna o Conselho Nacional de Justiça.
Absorvida essa primeira contradição, é hora de tentar localizar um endereço aonde ir para autorizar a viagem. Antigamente havia postos do juizado de menores nos aeroportos e rodoviárias. Mas agora, apesar do aumento vertiginoso do número de passageiros em viagem pelo Brasil, não há mais. A burocracia do Judiciário se desinteressou completamente da aflição de pais que precisam embarcar seus filhos pequenos. Você vai ter que ir até uma das varas da Infância e Juventude para obter o documento.
Em São Paulo, moradores da região central são obrigados a recorrer ao cartório da vara da Infância que fica localizado no sexto andar do Forum João Mendes. Lá, três funcionários muito mal-humorados vão te fazer esperar um bom tempo até que comecem a criar as primeiras dificuldades para o seu caso. A primeira pergunta geralmente é “para quando o senhor precisa desse documento?”
Se a resposta for “para já”, esqueça. Apesar de o preenchimento do formulário não demandar mais do que dois ou três minutos, os atendentes do plantão provavelmente vão dizer que a autorização “só fica pronta amanhã”. Ainda que você tenha realmente muita pressa, não vale a pena insistir. Isso pode despertar a ira do serventuário que está a atendê-lo e fazer com que o processo burocrático comece a mover as engrenagens contra a sua necessidade.
“Comprovante de residência”. Esta será a senha para você compreender que o Reino de Hades é ali. Além dos documentos de identificação da crianças e dos seus próprios documentos de identidade, o funcionário do cartório vai começar o circuito da iniquidade pedindo que você comprove que mora na área de competência daquele cartório — uma exorbitância que não tem amparo na lei.
“Não há previsão legal. O importante é quem deve autorizar; não onde mora o autorizador “, é o que diz o CNJ. Portanto, não poderia ser feito, uma vez que a adoção de qualquer exigência não prevista por lei fere o princípio da legalidade — aquele segundo o qual o agente público só pode fazer aquilo que está expressamente previsto, não pode agir no silêncio da lei.
No entanto, o próprio CNJ admite: “Talvez a exigência esteja sendo feita para evitar a emissão desarrazoada de autorizações para moradores de outra localidade, o que poderia impedir o bom atendimento aos jurisdicionados”. Não é o caso, mas a simples admissão de que um documento alienígena esteja sendo solicitado por serventuários da Justiça já é, em si, um fato grave, capaz de conspurcar a natureza da relação entre o cidadão e o Estado.
Para enfrentar tudo isso, sugiro aos pais que providenciem a autorização para seu filho viajar com muita antecedência. A má-vontade, a preguiça e insolência são doenças crônicas que ainda acometem nosso serviço público. O Judiciário, o mais refratário dos Poderes a qualquer forma de modernização e controle, ainda tem muito o que mudar até que seus próprios funcionários entendam que estão ali para facilitar, e não para dificultar a vida dos cidadãos.
Parar de inventar normas, sem nenhuma sombra de dúvida, ajudaria a fazer o processo avançar.